Os campos eletromagnéticos podem afetar as abelhas?

Fonte: Unsplash by Dustin Humes

Se você acompanha o nosso trabalho desde o começo, deve saber que o “Manda lá, Ciência’ surgiu com a ideia de tornar a ciência mais acessível. E é por isso que, hoje, eu trouxe para vocês uma indicação de artigo que tenho certeza que vocês vão amar.

Trata-se do artigo Extremely Low Frequency Electromagnetic Fields Impair the Cognitive and Motor Abilities of Honey Bees (Campos eletromagnéticos de frequência extremamente baixa prejudicam as habilidades cognitivas e motoras das abelhas). Esse artigo foi publicado pelos professores Eugênio Eduardo Oliveira, do Departamento de Entomologia, e Maria Augusta Lima, do Departamento de Biologia Animal, ambos da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com pesquisadores da University of Southampton, na Inglaterra.

Publicado na revista científica Scientific Reports (do grupo Nature), ele ficou entre os cem artigos mais acessados em 2018 na área de Ecologia e, por isso, recebeu o selo Top 100 in Ecology 2018. O artigo ficou tão famoso, que em uma rápida pesquisa na internet, você encontrará referência sobre ele em diversos portais e, pensando que se trata de um periódico acessado por pessoas do mundo inteiro, podemos considerar que um pedacinho da nossa ciência conseguiu nos representar lá fora. E tem gente que acha que o Brasil não produz ciência de qualidade. Dá para acreditar?

Entendendo o artigo

As abelhas são os principais responsáveis pela reprodução das plantas por meio de uma ação efetiva de levar pólen de uma flor para outra, ação chamada de polinização. Pelo menos três quartos de tudo o que a população mundial come depende do trabalho dos insetos para polinizar as plantas, fazendo com que esses animais polinizadores sejam fundamentais para garantir produtividade e a qualidade dos frutos em diversas culturas agrícolas.

O problema é que elas estão morrendo em proporções alarmantes. E pesquisadores do mundo inteiro estão avaliando as causas da mortalidade e os prejuízos que isso pode causar na produção de alimentos. E foi pensando numa possível explicação para o extermínio das abelhas, que os pesquisadores começaram a estudar uma das possíveis causas para este problema: os campos eletromagnéticos (conjunto de dois campos fisicamente ligados: o campo elétrico e o campo magnético).

Traduzindo ao pé da letra, o título do artigo seria: Campos eletromagnéticos de frequência extremamente baixa prejudicam as habilidades cognitivas e motoras das abelhas. E, se vale um comentário: o sucesso do artigo já começa aqui. Isso porque os autores conseguiram expressar exatamente do que se trata. Eu sei que o objetivo do título é esse mesmo, mas nem sempre conseguimos resumir tudo que está dentro do estudo em tão poucas palavras.

Mas voltando à explicação… Logo na introdução, os autores falam sobre alguns fatores da ação humana que podem afetar as abelhas: agrotóxicos, a disseminação de espécies exóticas, disponibilidade de recursos alimentares adequados, mudanças climáticas, etc, e sobre a importância de se estudar os impactos simultâneos destes múltiplos estressores.

Ao voarem de uma planta para outra as abelhas são expostas a níveis relativamente altos de campo eletromagnético de frequência extremamente baixa nas proximidades de linhas de transmissão, chamadas no estudo de ELF EMF (sigla de extremely low frequency electromagnetic field).

Estes campos eletromagnéticos são onipresentes no ambiente e afetam inclusive os mamíferos, podendo levar a déficits de memória, estresse, comportamento de ansiedade e comportamento semelhante ao da depressão, conforme as referências citadas pelos autores: Simkó (2004), Jadidi et al.(2007), Liu et al. (2008) e Szemerszky et al. (2009). Mas, apesar de já existirem estudos que observam estes impactos em mamíferos, ainda não se sabe muito sobre como eles afetam os insetos. Neste ponto, eles citam um estudo feito por Wyszkowska et al. (2016), que revela que a exposição de gafanhotos do deserto a campos eletromagnéticos de baixa frequência, causou mudanças fisiológicas e comportamentais, bem como aumento dos níveis de proteínas de estresse.

Eles encerram a introdução dizendo que a área ao redor das linhas de transmissão onde os polinizadores podem ser afetados pela exposição aguda a campos eletromagnéticos pode ser alta e que o estudo foi focado apenas nas abelhas comercialmente importantes.

O que o estudo conseguiu mostrar?

Os resultados da análise mostram que a exposição aguda a campo eletromagnético de frequência extremamente baixa afeta as habilidades motoras e cognitivas das abelhas e reduz a alimentação. Mostram também que a exposição causa redução no aprendizado olfatório. 

Altos níveis de campos eletromagnéticos, que podem ser experimentados perto de linhas de transmissão, modificam o voo ao aumentar a frequência de batidas de asas. Além disso, reduz significativamente o número de voos de forrageamento bem-sucedidos para uma fonte de alimento e também leva à redução da alimentação das abelhas.

Em resumo, a capacidade de aprendizagem sobre como se deslocar no ambiente fica reduzida, prejudicando a compreensão das abelhas com relação à localização dos alimentos, a qualidade e o tipo dos recursos (por exemplo, cor, cheiro, formato das flores), pontos de referência, bem como a distância e a direção das fontes de alimento da colmeia para se comunicar com a colmeia.

Habilidades de aprender estão altamente relacionadas com o sucesso natural de alimentação nas abelhas. Ao afetar o comportamento de aprendizado e o voo a poluição causada pelos campos eletromagnéticos pode afetar a capacidade de aquisição de fontes de alimentos e levar a deficiências na quantidade de vitaminas e sais minerais, afetando as pequenas abelhas e produzindo estresse na colmeia.

Juntos, os resultados mostram que a exposição aos campos eletromagnéticos de frequência extremamente baixa, em intensidades que variam desde aqueles no nível do solo até aqueles próximos às linhas de transmissão, podem ter efeitos profundos sobre as abelhas, afetando inclusive a alimentação. 

Concluindo, reduções no desempenho de aprendizagem, voo e alimentação, bem como mudanças na atividade de voo, podem ser prejudiciais não apenas para a abelha individual, mas também para a colônia, pois esses efeitos podem reduzir a alocação de recursos, aumentar o gasto de energia das abelhas e diminuir a robustez das colônias. 

Preocupante, né? Principalmente quando pensamos na quantidade de linhas de alta tensão que temos por aí.

Como o estudo foi feito

Explicando de maneira bem simples, os pesquisadores utilizaram bobinas de eletroímã para simular o campo eletromagnético e, ao longo do experimento fizeram vários testes para verificar o comportamento das abelhas. O artigo descreve esta metodologia de forma muito didática, então, é o tipo de artigo que vale a pena ler.

Ficou interessado em saber mais? Clique aqui para ler o artigo completo.

Referências citadas:

Jadidi M, et al. Acute exposure to a 50 Hz magnetic field impairs consolidation of spatial memory in rats. Neurobiol. Learn. Mem. 2007.

Liu T, Wang S, He L, Ye K. Anxiogenic effect of chronic exposure to extremely low frequency magnetic field in adult rats. Neurosci. Lett. 2008.

Shepherd, S; Lima, M.A.P; Oliveira, E.E; Sharkh, S.M; Jackson, C.W; Newland, P.L. Extremely Low Frequency Electromagnetic Fields impair the Cognitive and Motor Abilities of Honey Bees. Sci Rep. 2018.

Simkó M, Mattsson MO. Extremely low frequency electromagnetic fields as effectors of cellular responses in vitro: possible immune cell activationJ. Cell Biochem. 2004.

Szemerszky R, Zelena D, Barna I, Bárdos G. Stress-related endocrinological and psychopathological effects of short-and long-term 50Hz electromagnetic field exposure in rats. Brain Res. Bull. 2010.

Wyszkowska J, et al. Exposure to extremely low frequency electromagnetic fields alters the behaviour, physiology and stress protein levels of desert locusts. Sci. Rep. 2016.

Fernanda de Carvalho

Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Continuou seus estudos na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo da Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental no Meio Ambiente Florestal da Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados no blog Mata Nativa.

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