JÁ PAROU PRA PENSAR A VIDA HOJE?

Foto de Daria Shevtsova

Eu não sei em que momento do dia você está lendo este texto. Mas suponhamos que ainda esteja na parte da manhã. Então, neste caso, você acordou, tomou um banho, escovou os dentes e depois teve seu desjejum com café preto, um pão integral, queijo e uma fruta. Sem esquecer é claro de beber água, ter este hábito é essencial para os que aspiram boa saúde, principalmente no período da manhã. E finalmente, depois de satisfazer suas necessidades matinais, você vai viver o dia, ao longo do qual vão surgindo outras necessidades para que você se mantenha vivo, como por exemplo, ir ao banheiro, comer novamente, beber mais água. Também devemos considerar aspectos não tão orgânicos, mas dos quais nos tornamos dependentes no nosso modo de sobrevivência atual, como a necessidade de nos vestir, a dependência constante da energia elétrica, de nos transportar de um lugar para o outro, o que, na maioria das vezes, acontece por meio da utilização de fontes não renováveis de energia. Isso tudo sem esquecer de mencionar oxigênio que respiramos, sem o qual não sobreviveríamos poucos minutos.

Mas de onde vem tudo isso que te permite estar vivo? Qual a sua posição em relação isso?

É claro que a quantidade de recursos que nós consumimos varia de pessoa para pessoa, de acordo com os nossos hábitos de vida e com o local em que moramos, uma vez em que a disponibilidade de recursos naturais é desigualmente distribuída. Porém, o ponto onde que quero chegar é que, apesar de dependermos totalmente do meio no qual existimos para sobreviver, o nosso modelo cada vez mais tecnológico de humanidade vem perdendo gradativamente a consciência desta dependência intrínseca que temos do meio. E como consequência, criou-se uma crise global de valores causadora de desigualdades entre as relações humanas, tanto entre si, quanto com o meio em que vivem, causando destruições em todas as escalas ao planeta Terra (Fernandes 2008).

A Terra, por sua vez, é a nossa casa, que em sua generosidade (peço licença para me referir a ela de uma forma personificada) nos fornece ar, nos dá de beber e nos alimenta por meio de uma rede de interações entre os sistemas naturais que a constituí. Por conter a vida, ela é viva. A Terra é um ser vivo. A Terra é um ser vivo parte de um universo que também é vivo. Esta forma de pensar nos remete ao famoso físico Fritjof Capra que afirma que quando nós entendemos que compartilhamos não apenas moléculas básicas da vida, mas também princípios elementares de organização com o restante do mundo vivo, percebemos o quão firme estamos costurados em todo o tecido da vida.

Foto de Tobias Aeppli

Nós somos parte integradora desta teia da vida na Terra, na qual todas as espécies colaboram, sejam elas animais, vegetais ou minerais, de forma que, não existiria vida caso seus integrantes atuassem separadamente. Ou mesmo, a vida se desequilibra, caso qualquer de seus agentes principais deixem por algum motivo de se manifestar. Assim, nesta dança conjunta contínua que é a vida, os seres vivos da Terra exercem funções no ecossistema planetário que sustentam todas as formas de vida, inclusive a nossa, ao passo que “cumprem” um determinado ciclo evolutivo.

Na verdade, para todas as espécies é possível atribuir um papel. A única exceção parece ser nós humanos. Apesar de dotados de consciência, nós delineamos uma série de explicações cosmológicas que justificam nossas ações destruidoras e, assim, fazemos bem o contrário, destruímos o que os outros constituintes da natureza levam tanto tempo para criar num rápido instante de vontade. Matamos o planeta aos poucos cada vez que destruímos uma floresta ou poluímos os mares, os rios e o ar, ou mesmo justificamos nossos excessos, seja eles alimentares ou de bens de consumo ao reafirmarmos: “Eu sou assim”, “A humanidade não tem jeito néh?”, “ Ah mas eu não consigo passar sem um churrasquinho”, “ O que nos interessa é só a economia, o importante é ter emprego!” , “ Deixa esse lixo aí no chão mesmo, gari ganha pra isso.” […] ou quando elegemos governantes que não apresentam em suas propostas a devida importância ao meio ambiente, e por aí vai. E ainda dizemos que somos a vida inteligente da Terra!

Mas por que agimos de forma tão inconsequente se também moramos neste planeta e precisamos de ar para respirar, água para beber e solo para plantar?

Esta é uma discussão que renderia muito, mas bem resumidamente isto se dá justamente pelo fato de que não nos consideramos como parte da natureza. Por algum motivo sem cabimento nos colocamos de fora deste grande ciclo. Para nós a natureza não é mais do que “recursos naturais”, que existem para nos servir e dar lucro. Esta é a típica concepção ocidental de “natureza” que aqui no Brasil herdamos no processo de colonização portuguesa (Ribeiro 2012), junto com outros péssimos hábitos.

Mas a gente já viu que não deu muito certo pensar e agir assim não é? Nosso planeta está muito doente, e nós como parte do planeta estamos doentes também, ou você acha que o Corona-vírus é só uma “gripezinha” ou castigo de Deus?

Não é!

Isso e tudo o que vem acontecendo é resultado de uma doença que começou na nossa mente em estado de desequilíbrio. Na nossa maneira equivocada de nos perceber quanto indivíduos e de nos relacionar com a natureza da qual fazemos parte. É justamente neste ponto em que reconhecemos a consequências dos nossos hábitos e revemos nossa posição em relação ao mundo que a tão desejada cura começa.

É claro que ninguém sozinho pode salvar o planeta, muito menos a humanidade. Mas ao iniciar o nosso processo auto-cura, reconhecendo e tratando os nossos padrões de comportamentos que são prejudiciais a nós mesmos e ao meio que nos cerca, buscando a harmonia com o meio e ressignificando nossa existência quanto indivíduos, adentramos a um ponto chave, a partir do qual nos posicionamos de forma a colaborar com a cura e desenvolvimento do outro também.

E como todos estamos conectados, nossa mudança positiva inspira aos que estão ao nosso lado, que se sentem motivados a mudar também. Porém, estes convivem com outras pessoas, que também serão alcançadas, e assim por diante. Deste modo, em uma escala mais ampla, temos o potencial de formar uma rede de colaboração que com o tempo pode ser a mudança do mundo a qual todos sonhamos.

Sabemos bem que mudar não é tão simples, mas também não é tão complicado assim. Também não podemos querer essa mudança de uma hora para a outra. A mudança é uma semente, que cuidamos durante toda a nossa vida, que nutrimos ao criar nossos filhos, ao ensinar nossos alunos e dar o exemplo aos nossos irmãos. Isto requer muita paciência, confiança no tempo e fé na humanidade. Envolve diligência, constância e muita, mas muita auto-observação.

Mas se para mudar o modo como você se relaciona com a natureza lhe faltar inspiração, é só olhar para a vida com uma perspectiva de gratidão. Pelo ar que respira, pela água que bebe, pelos seres naturais que te permitem viver. Se você parar pra ver, o que não falta a esta Terra motivos para agradecer. Outra maneira produtiva de se inspirar, é notar como os antigos habitantes desta terra (Brasil) percebiam a si e ao mundo em que viviam. É claro que isso vai muito além da nossa compreensão, mas ao contrário da gente, eles se consideravam como parte integradora, constituintes da natureza, de modo que viveram por aqui por milhares de anos sem causar destruição.

Nós somos todos somos a vida na Terra, sem exceção. Vamos tratar a casa que moramos e a vida que recebemos com gratidão.

Foto de StockSnap–894430

Referências

MENA, Fernanda. ‘Pandemia é resposta biológica do planeta’, diz físico Fritjot Capra. Folha de São Paulo. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fronteiras-do-pensamento/2020/08/pandemia-e-resposta-biologica-do-planeta-diz-fisico-fritjof-capra.shtml.  Acesso em 11 de agosto de 2020.

FERNANDES, Valdir; SAMPAIO, Carlos Alberto. Problemática ambiental ou problemática socioambiental? A natureza da relação sociedade/meio ambiente. Desenvolvimento e Meio Ambiente. Editora UFPR, 2008.

RIBEIRO, Wallace Carvalho. A concepção de natureza na civilização ocidental. Revista da Casa da Geografia de Sobral (RCGS), Sobral, v.14, 2012.

Amanda Vitório

Amanda da Silva Batista Vitório é bióloga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e também atriz. É aluna de pós-graduação em Ciência Ambientais pela UFRJ e do curso de Artes Cênicas pela Escola Municipal de Artes de Macaé. Tem experiência na área de Limnologia. Atualmente trabalha com teatro como ferramenta de Educação Ambiental por meio da criação e direção de peças teatrais com temática socioambiental.

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