Uma História sobre gatos

Por Larissa Gonçalves e Fabrício Franco

Gatos domésticos têm se tornado animais de estimação populares nos últimos tempos. Alguns lares passam a preferi-los como PETs por sua capacidade de adaptação a mudanças e sua maior independência em relação a outros animais. Há aqueles que consideram que esses animais são frios e interesseiros, mas na verdade eles podem assumir diferentes “personalidades” que implicam no seu comportamento, alguns podem ser carentes demais, outros tímidos, curiosos e por aí vai. Dito isso, você sabe quando e por que esses bichanos ganharam tanto espaço nas civilizações humanas? 

Acredita-se que a espécie de gato doméstico (Felis catus) originou-se a partir da domesticação de uma espécie selvagem, por meio do processo de seleção artificial. Em resumo, à medida que um gato selvagem se aproximava mais de humanos, era percebido que a relação homem x gato trazia benefícios mútuos. Assim os humanos teriam se apegado a esses animais, os deixando próximos dos abrigos para que eles pudessem prevenir pragas como roedores que atacavam os cereais, sementes e vegetais armazenados, garantindo também alimento para esses felinos. 

A seleção artificial ocorria de uma forma um tanto quanto cruel. Os humanos mantinham os gatos próximos, eles se reproduziam e a ninhada era observada. Os animais que eram mais dóceis eram selecionados, enquanto os filhotes mais selvagens eram eliminados ou descartados brutalmente, por isso, a frequência de gatos dóceis ia aumentando,  esses animais um pouco mais dependentes de nós. Variações de características anatômicas como tamanho de orelhas; cor, tamanho e textura de pelos; tamanho corpóreo e entre outras características foram surgindo à medida que se selecionava um grupo específico de gatos com tal variação (mutação). E foi assim que gatos domésticos se espalharam pelo planeta e diversificaram em características corpóreas, sendo assim, foram inseridos em vários contextos culturais das civilizações humanas. 

O gato doméstico ao longo dos milênios vem passando por diversas representações em diversos contextos socioculturais. Em algumas culturas, os gatos são vistos como um símbolo positivo, sendo até mesmo reverenciados como deuses, já em outras culturas estes animais simbolizam ideias e sentimentos negativos. Essas representações podem ser observadas desde a antiguidade, os registros pré-históricos humanos são marcados por muitos rituais e homenagens aos animais. Os registros mais frequentes são comuns em sociedades onde eles eram considerados como entidades que, caso desrespeitadas,  resultavam em penas e perseguição. Segundo  os arqueólogos a domesticação dos gatos ocorreu por volta de 9 mil e 500 anos atrás no sudoeste asiático (DRISCOLL; MCDONALD; O‟BRIEN, 2009) e, desde aqueles tempos, a representação dessa espécie é marcada por momentos de adoração e proteção, ou por vezes a imagem do felino era lembrado como símbolo de ações hostis que floresciam no meio sociocultural . 

Especialmente no Egito antigo, onde floresceu formas de compreensão cosmológica que sobrevivem até hoje, inclusive na nossa cultura, os gatos tiveram um grande papel  histórico. O Egito contou com muitas capitais ao longo dos séculos, as mais conhecidas são Tebas, Mênfis, Akhetaton e nos dias de hoje, o Cairo. Entre elas, surgiu no Baixo-Egito a cidade de Bubastis, que era considerada a antiga capital dos gatos (teve decadência no início da era cristã). A capital de Bubastis ficava próxima de duas das cidades do Egito antigo: Aváris e Tânis. Essa capital possuía uma localização estratégica que permitia o controle das rotas de Mênfis ao Sinai, sendo possível controlar também as vias que levavam à Síria. A cidade era um complexo de templos ptolomaicos dedicados a deusa Bastet, muito conhecida pelos estrangeiros como a cidade de Bubasteion, porém, entre os egípcios a cidade era conhecida como Per-Bastet que significa “casa de Bastet” ou “pertencente à Bastet”. Hoje em dia o complexo é chamado de Tell-Basta, sendo um lugar muito conhecido pelas pesquisas na necrópole dos gatos. Apesar da cidade ser dedicada à deusa gata Bastet, é muito comum encontrar múmias de outras espécies de animais. (BAINES;MALEK, 2008 apud COSTA, M. J. N., 2014, p. 75). 

A representação do gato na cultura religiosa egípcia representava a doçura ou o símbolo de luta do bem contra o mal. Uma vez que, existem muitas obras egípcias representando felinos lutando contra Apophis, uma serpente maligna que era considerada a personificação do caos. A sociedade egípcia possuía uma grande admiração pelos gatos, quando mumificados, eram depositados sobre esquifes de madeira de tamanho pequeno (caixão de madeira para carregar os mortos), com o exterior coberto de estuque pintado (tipo de argamassa feita de pó de mármore), dessa maneira, imitando os gatos em vida. Esse costume fez com que Bubastis ganhasse o coração dos peregrinos devotos de Bastet, por um período muito longo que foi desde o estabelecimento da cidade como capital, até a queda do Egito faraônico devido à era cristã. Em consequência do culto a Bastet, muitas múmias de gatos eram vendidas, os devotos acreditavam que os felinos poderiam interceder por eles diante dos deuses, essa atividade

tornou-se muito lucrativa para os sacerdotes (IKRAM,2005;ZIVIE et al., 2005 apud COSTA, M. J. N., 2014, p. 76). 

No período medieval, a admiração pelos gatos declinou, pelo menos na Europa. Com a ascensão do Cristianismo, houve perseguição dos deuses e cultos não alinhados à idéia de supremacia do humano e sua semelhança com o Deus único, o que trouxe consequências terríveis para todos os animais, incluindo os gatos. Nesse período os gatos eram considerados como agentes do Diabo e companheiros de bruxas e videntes, principalmente os gatos de pelagem preta (BEAVER, 1992 apud MACHADO, Juliana Clemente et al., 2014. p.237) Dessa forma, foi durante o período medieval que surgiu a crença que esse animal representava a má sorte, pois as pessoas acreditavam que as seitas hereges trabalhavam para o Diabo, representado por um gato de pelagem preta. As seitas eram acusadas de executar coisas repugnantes, como: canibalismo, sacrifício de crianças, orgias sexuais e adoração aos gatos. (SERPELL, 2000 apud MACHADO, Juliana Clemente et al., 2014. p.237)Muitos estudiosos relacionam as perseguições às religiões politeístas como causa do declínio destes animais, pois a adoração e paixão por gatos foi associada ao comportamento de pessoas hereges. As pessoas na Idade Média acreditavam que as bruxas poderiam assumir a forma de um gato para que praticassem atos de crueldade. Os gatos ainda nos dias de hoje são acusados de provocar asma e problemas pulmonares, em consequência da crença de que as bruxas asfixiavam pessoas enquanto estavam dormindo, em decorrência de ideias como essa, muitos gatos, sobretudo de pelagem escura são rejeitados e abandonados nas ruas e em abrigos. Esses pensamentos equivocados transformaram os gatos em um dos grandes símbolos do dia das bruxas. (SERPELL, 2000 apud MACHADO, Juliana Clemente et al., 2014. p.237). 

Durante os primeiros anos da Idade Moderna, a sociedade continuava tratando os gatos como um símbolo negativo. Nos dias festivos, principalmente, os gatos pretos eram perseguidos, capturados e torturados das formas mais cruéis possíveis. As pessoas cometiam esses atos terríveis contra os gatos, em um clima alegre. Essas atrocidades ocorreram em época de Carnaval e em algumas comemorações folclóricas. (SERPELL, 2000 apud MACHADO, Juliana Clemente et al., 2014. p.238). Os gatos não possuíram somente conotação negativa no continente Europeu, mas também em muitos outros continentes. Em alguns países como o Japão acreditavam que os gatos sugavam a vitalidade dos homens, já em outros países como o Brasil associavam os gatos à prática de magia negra e à má sorte.

Apesar do que se desenrolou nos séculos passados, os felinos parecem ter repousado em uma situação bem favorável, se tornando hoje um dos mais populares animais de estimação. Com isso, atualmente, surgiram outros problemas relacionados a esses animais nas cidades. Isso porque  os gatos são ótimos caçadores, capturando roedores e pássaros que podem causar doenças para os humanos, porém deixar esses animais soltos nas ruas à mercê dos perigos das zoonoses, pode ser muito danoso para os humanos. Por estarem em contato com invertebrados e vertebrados urbanos, os gatos podem ser hospedeiros de zoonoses, transmitindo-as para outros gatos e, consequentemente, para humanos donos e não-donos desses animais. 

Outro fator preocupante em relação aos gatos, é que, por ser um caçador engenhoso, pode provocar um grande desequilíbrio nos ambientes preservados, sendo responsáveis pela caça de animais silvestres que por vezes se encontram em algum grau de risco de extinção. Os donos de gatos podem assumir uma grande parcela de culpa em relação à caça de animais silvestres por seus animais de estimação. O resultado da irresponsabilidade ou do abandono dos gatos, é que os felinos podem chegar em ambientes naturais ou ter contato com animais selvagens que forrageiam nas áreas urbanas, em consequência disso, algumas estimativas mostraram que os gatos matam dezenas de bilhões de animais selvagens por ano só na América do Norte. 

Sabendo dos problemas, citados anteriormente, os donos precisam ser responsáveis, deixando seus animais em casa; telando janelas para prevenir que escapem; os castrando para que não transitem em grandes distâncias e evite uma reprodução descontrolada. Para impedir que os felinos fiquem entediados e estressados nos domicílios é necessário assumir alguns hábitos, como o passeio com coleira, brinquedos e brincadeiras desestressantes e dar atenção devida para os felinos, pois apesar de serem um pouco mais independentes que outros animais, eles necessitam de um grande cuidado. 

Os gatos domésticos ganharam mais atenção nos últimos tempos por causa dos problemas que causam nas sociedades humanas, mas, apesar disso, descobriu-se que esses animais podem ser muito favoráveis para os humanos. Um estudo recente da Universidade do Estado de Washington concluiu que a interação com PETs como gatos e cachorros pode

influenciar nos níveis de cortisol, um hormônio que ajuda o organismo em fatores fisiológicos quando em nível adequado. O estudo contou com estudantes universitários como alvo da pesquisa, e os resultados podem ser significativos, uma vez que essas pessoas passam por uma rotina estressante nas universidades, desse modo, o artigo conclui que acariciar PETs por apenas 10 minutos aliviou o estresse fisiológico dos estudantes universitários diminuindo os níveis de cortisol. 

E com a tendência de adoção de gatos domésticos como animais de estimação, eles ganharam espaço no ramo econômico também, tanto com a venda de produtos para o bem-estar deles, quanto para produtos relacionados a gatos para humanos. Foi partindo dessa ideia que surgiram cafeterias denominadas de Cat Cafés, encontrada em vários países, inclusive no Brasil. Essas cafeterias proporcionam para as pessoas um bom café, na companhia de gatinhos, podendo acariciar e brincar com eles. De forma, quase que involuntária, a adequação dessas cafeterias pode aliviar o estresse fisiológico dos clientes, como no estudo supracitado. Além disso, a cafeteria tem a importante função de promover a adoção dos gatos, permitindo que o possível futuro dono do gato já tenha um contato prévio com ele. Nessas cafeterias, há um lugar projetado para gatos, com brinquedos, parquinhos e com todos os cuidados para que as pessoas possam interagir de forma segura com eles.

Referências: 

LITCHFIELD, Carla A. et al. The ‘Feline Five’: An exploration of personality in pet cats (Felis catus). PLoS One, v. 12, n. 8, p. e0183455, 2017. 

FERREIRA, Giovanne A.; NAKANO-OLIVEIRA, E.; GENARO, G. Gatos: Vilões ou vítimas. Revista Expedição de Campo, v. 3, p. 22-26, 2012. 

STRICKLAND, Ashley. “Gatos domésticos livres causam danos à vida selvagem, aponta estudo”. CNN. 2020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/gatos-domesticos-livres-causam-danos-a-v ida-selvagem-aponta-estudo/>. Acesso em 29 de outubro de 2022.

PEDROSO, Eduardo. “Gatos que vivem soltos caçam, mesmo quando são alimentados em casa”. O eco. 2020. Disponível em: <https://oeco.org.br/analises/gatos-que-vivem-soltos-cacam-mesmo-quando-sao-ali mentados-em-casa/>. Acesso em 29 de outubro de 2022. 

MACHADO, Juliana Clemente; PAIXÃO, Rita Leal. A representação do gato doméstico em diferentes contextos socioculturais e as conexões com a ética animal. INTERthesis: Revista Internacional Interdisciplinar, v. 11, n. 1, p. 231-253, 2014. 

COSTA, M. J. N. Uma viagem pelo Nilo. 1° edição. Aracajú: Site Arqueologia Egípcia. 2014. 

Entenda o que é Cat Café e sua função social. Usina da Comunicação. 2022. Disponível em: https://usinadacomunicacao.com.br/cat-cafe-conheca-os-estabelecimentos-para-am antes-de-cafes-e-gatos/ DRISCOLL, Carlos A.; MACDONALD, David W.; O’BRIEN, Stephen J. De animais selvagens a animais de estimação domésticos, uma visão evolutiva da domesticação. Proceedings of the National Academy of Sciences , v. 106, n. suplemento_1, pág. 9971-9978, 2009.

Larissa Gonçalves

Larissa Gonçalves é graduanda em Ciências Biológicas (Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM) em Macaé. Integrante do Projeto de Extensão Produção e Recepção de Mídias na Formação de Professores. Possui interesse nas áreas que englobam as Ciências Forenses, Arqueologia e Educação Inclusiva voltada para alunos Neurodivergentes.

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