Da eugenia à consultoria Genética

A forma como as sociedades lidam com características indesejadas, como problemas mentais e malformações congênitas, é um assunto que tem sido abordado por três modelos básicos: o eugenista, o preventivo e o psicológico. O modelo eugenista foi proposto por Francis Galton, antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico francês. Galton seguiu uma longa tradição de cientistas do Renascimento que, inspirados pelos êxitos da física newtoniana, adotou uma crença determinista do mundo. A eugenia tinha continha em si a ideia de uma ordem natural, um reducionismo que propunha a existência de um padrão normal e desvios dessa normalidade poderiam ser usados para conceber super seres humanos, mais inteligentes, fortes e mais saudáveis. A eugenia porém vai além de caraterísticas físicas, e se atreve a discutir que traços de personalidade também seriam herdados, fazendo associações esdruxulas entre pessoas com deficiência, imigrantes, homossexuais, negros ou pardos e os altos índices de criminalidade, deficiência mental, vícios etc. Esse  modelo eugenista foi utilizado para justificar o racismo, sendo adotado por vários países, como Estados Unidos, Alemanha, França, Áustria, China e muitos outros. A eugenia causou muitos problemas e, consequentemente, foi banida da genética humana.

Recentemente, o modelo eugenista tem voltado ao foco devido a emergência de um ramo da ciência médica chamado genetic counseling (traduzido como aconselhamento genético). Por mais que o nome signifique “aconselhamento genético” , o profissional de forma alguma pode dar conselhos. O termo ‘consultoria genética’ foi proposto pelo biólogo Sheldon C. Reeds, em 1940, e essa prática vem sendo difundida desde então. Atualmente, o nome foi mudado de “Aconselhamento Genético” para “Consultoria Genética”, a fim de deixar mais claro o objetivo dessa área. A consultoria genética é uma área que pode ser desenvolvida por diferentes profissionais da área da saúde, como médicos, enfermeiros, geneticistas e outros profissionais com formação especializada em genética médica. Os profissionais da área utilizam testes genéticos e análise de informações genéticas para ajudar pessoas a compreender melhor seu risco de desenvolver doenças e a tomar decisões bem-informadas sobre sua saúde. O termo “consultoria genética” é baseado nos princípios da neutralidade, ou seja, o profissional, após apresentar o laudo para o paciente, não deve intervir nas decisões tomadas pelo mesmo. Por exemplo: caso o paciente tenha alguma doença hereditária e queira ter filhos, podendo ter altas chances de descendentes nascerem com alguma deficiência, o profissional não poderá intervir, dizendo ao paciente se ele deve ou não ter filhos. Todo paciente é autônomo para decidir o que fazer após a informação ser dada pelo consultor genético.

Segundo Pina-Neto JM (2008) com a expansão das bases filosóficas da medicina para incluir o conceito de prevenção (medicina preventiva) e com declínio populacional dos países desenvolvidos, devido a prevalência de mortes por doenças infecciosas, a medicina tornou-se cada vez mais propícia para o desenvolvimento da genética. Foi nesse momento, que o modelo preventivista surgiu, com sua proposta de prevenir problemas de saúde, ao invés de tratá-los após o surgimento. Incluindo ações como a promoção de hábitos saudáveis, vacinação, exames de rotina e medidas preventivas nos ambientes de trabalho. A neutralidade acima mencionada significa não somente em evitar intervir nas decisões, mas se limitar a atender os aspectos genéticos e desdobramentos, fornecendo o maior número de dados possível. Alguns pacientes sentem a necessidade de entender o que aquela condição genética pode causar, qual o tratamento e seu impacto psicológico na família. O desdobramento de questões relacionadas ao aconselhamento genético, no contexto social, tem sido tratado numa abordagem psicossocial da questão relacionada ao diagnóstico antecipado de doenças. Uma vez que ao esclarecer os resultados de um laudo genético a uma família portadora de uma determinada condição genética, isso pode desencadear um sofrimento muito grande, por diversos motivos, como ego, crenças eugênicas, religião ou até mesmo pelas questões reprodutivas. Essa é uma etapa muito difícil, tanto para o consultor, quanto para o paciente. A consultoria genética, em geral, possui muitos benefícios, contudo, é necessário que os profissionais dessa área facilitem a comunicação, exerçam a empatia e tenham formação ética para evitar abordagens capacitistas e eugenistas.

O aconselhamento reside, portanto, na estratégia de tornar mais fácil o entendimento do diagnóstico pela família e também as decisões que serão tomadas após o diagnóstico. O tema não tratado neste texto remete a diversas questões éticas e graves desdobramentos sobre visões religiosas e supremacistas. Questões estas que se mantêm em conflito com temas relacionados a modelos e valores de sucesso ou fracasso e moralidade. Diferentes visões têm tentado se apropriar do conhecimento científico. A ciência, por sua vez, não pode se furtar ao seu papel e debater o tema com protagonismo, pautando com vanguardismo o tema num contexto democrático de entendimento e ajustamento à sociedade onde se desenvolve. E quanto a você leitor, como acha que pode contribuir com esse debate?

Referências: Pina-Neto JM. Genetic counseling. J Pediatr (Rio J). 2008;84(4 Suppl):S20-26. doi:10.2223/JPED.1782

Larissa Gonçalves

Larissa Gonçalves é graduanda em Ciências Biológicas (Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM) em Macaé. Integrante do Projeto de Extensão Produção e Recepção de Mídias na Formação de Professores. Possui interesse nas áreas que englobam as Ciências Forenses, Arqueologia e Educação Inclusiva voltada para alunos Neurodivergentes.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *