O que as próximas gerações cobrarão de nós?

Em um passado não tão distante, bater na esposa e nos filhos era considerado um dever de pai, a escravidão era algo normal e as mulheres não podiam sequer votar. Olhando para esses horrores do passado, é fácil perguntar: o que essas pessoas estavam pensando? Mas você já parou para pensar que é bem provável que nossos descendentes farão a mesma pergunta, com a mesma incompreensão, sobre algumas de nossas práticas de hoje?

Muitas questões já começaram a ser discutidas e os discursos de preconceito já não são mais aceitos na sociedade. Eu falei sobre isso em outro artigo sobre a cultura do cancelamento. Mas este é só um pequeno tópico dentre os problemas que temos para resolver.

É inadmissível pensar que o mundo produz atualmente cerca de 2750 milhões de toneladas de grãos por ano, mas que ainda temos, segundo a edição de 2020 do relatório “O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo”, quase 690 milhões de pessoas passando fome. E sabe porque esta conta não fecha? Por causa do desperdício e da má distribuição dos alimentos.

De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) cerca de 1/3 de toda a comida produzida para consumo humano no mundo é desperdiçada, o que equivale a aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas. Seria algo equivalente ao peso de 18 bilhões e 570 milhões de pessoas de 70 kgs. Ou cerca de duas vezes e meia a população mundial.

Somado a isso, temos que 70% da água doce consumida no mundo é utilizada no processo de irrigação. Ou seja, enquanto pessoas do mundo inteiro não têm acesso a água potável, milhões de litros são desperdiçados nas plantações.

Mas o maior desafio que cairá na conta dos que ainda vão nascer, provavelmente será o do meio ambiente. Como vamos harmonizar o crescimento da população, num planeta em processo de aquecimento global, com riscos consideráveis para a destruição irreversível das terras agricultáveis?

O sexto Panorama Ambiental Global (GEO-6), principal avaliação periódica da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação do meio ambiente, evidenciou novamente a urgência de uma mudança na postura em relação aos problemas ambientais. De acordo com o relatório, caso isso não ocorra, daqui a alguns anos os acordos que visam à melhora das condições do planeta não serão cumpridos e, mais que isso, a sobrevivência na Terra se tornará insustentável.

Os dados do GEO-6 também mostram a elevação, ao longo dos anos, da ocorrência de terremotos, tornados, deslizamentos de terra e outros fenômenos naturais que causam perdas para a sociedade. Isto é, os impactos desse processo na vida humana estão cada vez mais notáveis e o ser humano acaba se tornando vítima de suas próprias ações, seja de um modo direto ou indireto.

Esses questionamentos só mostram que a forma como estamos conduzindo o nosso planeta, está longe de ser a mais correta e que seremos muito criticados pelas próximas gerações. Provavelmente a sociedade do futuro terá uma compreensão muito mais sábia de como o planeta funciona, como nossa pressão sobre ele ameaça nosso próprio bem-estar e como nossa mentalidade econômica precisa refletir isso. E essa sabedoria deve trazer mudanças profundas na maneira como vivemos e pensamos sobre o nosso mundo.

Aliás, eu penso que o início da mudança de mentalidade poderá surgir da pandemia. Nós que estávamos acostumados com uma vida agitada, tivemos que nos adaptar ao tédio do isolamento e este certamente foi um exercício de paciência para todos. Chegou a hora de começarmos a respeitar o tempo das coisas, de respirar, de entender o nosso limite e começarmos esse processo de mudança para que as próximas gerações possam se orgulhar do que nós construiremos agora.

O futuro estará muito ocupado com seu presente para perder muito tempo olhando para trás. Mas embora o início do século 21 nos pertença, um imperativo é claro: devemos tentar esticar nossa imaginação além das preocupações atuais. A verdade é que nunca escaparemos de alguma desaprovação de nossos descendentes. Se, no entanto, pudermos compreender os seus possíveis futuros com fé e rigor suficiente, podemos alcançar o que é o correto a se fazer: transmitir um planeta em um estado melhor do que aquele que herdamos.

Referências:

FAO. 2020. ​Food Outlook – Biannual Report on Global Food Markets: November 2020. Rome.

FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2019. The State of Food Security and Nutrition in the World 2019. Safeguarding against economic slowdowns and downturns. Rome, FAO.

UN Environment. 2019. Global Environment Outlook – GEO-6: Healthy Planet, Healthy People. Cambridge: Cambridge University Press.

Fernanda de Carvalho

Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Continuou seus estudos na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo da Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental no Meio Ambiente Florestal da Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados no blog Mata Nativa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *