Seria possível uma bebida ser responsável por aflorar a imaginação e te deixar mais criativo?

Apreciado por diversos artistas como Toulouse-Lautrec, Pabllo Picasso e Édouard Manet graças aos supostos poderes alucinógenos. Batizado de ”fada verde”, o absinto, bebida esverdeada com alto teor alcoólico era facilmente encontrada com concentrações de até 89,9% de álcool em sua versão original. Essa bebida ganhou uma grande popularidade na Europa no século XX e logo se espalhou para o mundo todo. Contudo, os momentos de glória do absinto estavam com os dias contados. Após uma onda de acontecimentos violentos atribuídos ao seu consumo, o absinto foi banido. Atualmente, a comercialização do absinto já foi restabelecida cumprindo novas normas legislativas. No Brasil, por exemplo, a concentração de álcool permitida em sua composição é de no máximo 54%.

Historicamente, o ingrediente principal que dá o nome a bebida é a planta Artemisia absinthium, popularmente conhecida no Brasil como losna, artemísia, erva-santa, erva-do-fel, entre outras. O Papiro de Ebers, médico egípcio de cerca de 1550 a.C, recomendava aos seus pacientes a Artemísia para o tratamento de febre e dores menstruais, além da utilização da planta na fabricação de tônicos, estimulantes, antidepressivos e vermífugos. Hipócrates, considerado o “pai da medicina” indicava Artemísia para anemia e reumatismo. Pitágoras, grande matemático grego, defendia o seu uso juntamente ao vinho para facilitar o processo de parto. Assim, a utilização das folhas de absinto como medicamento, muitas das vezes maceradas em vinho, atravessou gerações.

Na França, Pierre Ordiner, foi o médico pioneiro nos estudos e experiências com absinto. Ele desenvolveu, a partir propriedades curativas da planta, uma receita de xarope que incluía ervas como a losna, melissa, erva-doce, salsa, camomila entre outras, criando forte elixir à base de álcool, conhecido como “remédio para todas as doenças”. Por este remédio ter um característico gosto amargo, o empresário Major Dubier resolveu comprar os direitos do medicamento para mais tarde juntamente ao seu genro, Henri-Louis, abrir a primeira empresa para produção e venda do absinto em larga escala.

Desse modo, não demorou muito para a bebida ganhar muitos admiradores e se espalhar por todo continente europeu. Em Paris, era tradição a população se reunir em bares e restaurantes por volta das 17h00 às 19h00 para consumir absinto, ingerindo antes da janta para abrir o apetite. Esse horário ficou conhecido como “hora verde” e seus consumidores se tornaram “os bebedores de absinto”.

Os bebedores de absinto relataram que após o consumo de grandes doses da bebida era comum sentir um extremo relaxamento muscular e efeito alucinógeno, característica atribuída à tujona. Esse composto, com aroma parecido com o do mentol, está presente nas folhas de absinto e sua forma estrutural se assemelha à molécula do THC (tetra-hidrocanabinol). O THC é encontrado nas plantas do gênero Cannabis, gerando especulações sobre a sua ação no organismo acionar os mesmos receptores canabinóides, e por isso, causar alucinações. Entretanto, esse fator foi pouco escutado. Sabe-se que a tujona age como inibidor não competitivo do receptor GABAa que controla a ação do ácido gama-aminobutírico, um importante neurotransmissor inibidor no sistema nervoso central. Desse modo, ao se ligar a esse receptor, abre um canal iônico que permite a entrada de cloro pelos poros hiperpolarizado os neurônios e diminuindo a neurotransmissão, promovendo uma maior agitação e tremores que tumultuam o cérebro provocando delírios. O efeito também causa uma síndrome chamada absintismo.  

O bebedor de absinto, de Viktor Oliva.
Fonte: Wikipédia.

Desse modo, o absinto começou a ser conhecido como uma “loucura em uma garrafa” sendo também associado à esquizofrenia pelos médicos na época. Van Gogh, pintor holandês que sofria de esquizofrenia, chegou a cortar um pedaço da orelha esquerda após ingerir o absinto. Contudo, o caso mais chocante envolvendo absinto aconteceu na Suécia em 1905, quando um fazendeiro (Jean Lanfray) atirou nas duas filhas e em sua mulher grávida sob o efeito do absinto. Jean era alcoólatra e consumia por dia vários litros de vinho. Esse acontecimento causou uma enorme repercussão nos jornais da época e só aumentou a má fama do absinto, que foi banido da Bélgica em 1905, da Suíça em 1910 e dos EUA em 1912 e outros países, como o Brasil.

Bom, agora que você conhece os mistérios que se passam por trás do absinto, saiba que o absinto é totalmente liberado no Brasil e existe um ritual de preparação envolvendo o seu consumo criado para amenizar o gosto amargo e forte característico da planta misturada ao álcool.

REFERÊNCIAS: 

ABSINTO, A BEBIDA PROIBIDA: A fada verde e o Ritual.  O Covil de Jack. Youtube. 11 mar. 2019. 11min02s. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=GnQChMiMSz8. Acesso em: 18 abr. 2021.

HICKS, Jesse. Science History Institute. The Devil in a Little Green Bottle: A History of Absinthe. Disponível em: https://www.sciencehistory.org/distillations/the-devil-in-a-little-green-bottle-a-history-of-absinthe. Acesso em: 19 abr. 2021.

FERRAZ, Cleidiane Vedoy; CHAGAS, Juciéli Chiamulera das; DORIGON, Elisangela Bini. Page 1 III SIMPÓSIO EM SAÚDE E ALIMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA. Atividade Alucinógena da Artemisia Absinthium. Disponível em: https://portaleventos.uffs.edu.br/index.php/SSA/article/view/11196/8292. Acesso em: 21 abr. 2021.

BAKER, Phil. Absinto, uma história cultural. São Paulo: Nova Alexandria, 2010.

Sara Maria da Silva Lontra

Sara Maria é graduanda do curso de bacharelado Ciências Biológicas pela UFRJ-NUPEM e participa como integrante do Projeto de Extensão ProREC. Transbordando desejo por conhecimento, tem como seu objetivo desenvolver pesquisas referentes a fisiologia humana e conservação de recursos naturais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *