Os efeitos devastadores da ‘’MP da grilagem’’ sobre a Amazônia

Se você ainda não está por dentro do assunto e está se perguntando por que este projeto ganhou tanta visibilidade, este texto é para você!

A Câmara dos Deputados deverá votar, em breve, o projeto de lei 2.633, conhecida como a “MP da Grilagem”, que trata da regularização de ocupações de terras públicas da União, a chamada regularização fundiária. A discussão do texto estava prevista para quarta-feira (20/05/2020), mas foi adiada por falta de acordo entre governo, ruralistas e ambientalistas.

Para entendermos este PL, precisamos entender primeiro a Medida Provisória (MP) 910, que foi assinada em 10 de dezembro de 2019 e já estava em vigor, mas precisava ser votada pelo Congresso até 19/05/2020, para não perder validade.

A MP 910 permitia que terras públicas desmatadas com até 2.500 hectares se tornassem propriedade de quem as ocupou irregularmente, desde que alguns requisitos fossem cumpridos.

Como não chegou-se a um acordo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, combinou com os parlamentares que a proposta deveria ser analisada como projeto de lei, para evitarem uma corrida contra o relógio. Foi então que surgiu o PL 2.633/2020, que nada mais é que uma adaptação do conteúdo da MP 910.

O que diz o projeto de lei?

O projeto de lei resgata regras para a regularização fundiária que tinham sido enviadas pelo Governo Federal na MP 910.

A principal divergência é sobre a tentativa do governo federal de ampliar a área de propriedades que têm direito a fazer a regularização sem vistoria presencial, pela chamada autodeclaração.

O projeto amplia o tamanho das terras ocupadas pertencentes à União que poderão ser regularizadas por meio do critério de autodeclaração e por sensoriamento remoto, sem vistoria prévia.

Hoje, a lei já permite até quatro módulos fiscais (definido pelo Incra, o módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares conforme o município) para quem comprovar que já ocupava o local no período anterior a 2008. Pelo projeto, essa modalidade de regularização seria permitida para quem tem até seis módulos fiscais.

O texto original da MP estendia a autodeclaração para propriedades de até 15 módulos fiscais. O relator, deputado Zé Silva (SD-MG), acabou reduzindo para seis, mas mesmo assim não houve consenso e a MP perdeu a validade.

Outras mudanças foram no período máximo de ocupação que um agricultor poderia solicitar a regularização, que na MP era até dezembro de 2018 e que voltou ao prazo original: dezembro de 2011.

Os protagonistas da discussão

O projeto de lei é alvo de uma intensa campanha popular que rejeita o conteúdo da matéria e pede também o adiamento da pauta. A mobilização envolve movimentos populares, organizações não governamentais, especialistas, artistas, igrejas, entre outros grupos.

Para entidades de defesa do meio ambiente, nem a MP e nem o projeto de lei oferecem mecanismos fortes de controle da grilagem e de cumprimento da legislação ambiental.

A discussão também envolve os setores do agronegócio que têm se mostrado reticentes com a pauta, e as multinacionais que mantêm negócios com o Brasil. Na terça-feira (19/05), 41 empresas globais assinaram uma carta pública pedindo que os parlamentares votem contra o PL. O movimento aglutina diferentes setores, entre eles, finanças, pecuária e alimentação e inclui gigantes como a marca Burguer King. Os signatários do documento apontam que a eventual aprovação da medida comprometeria as transações internacionais com o país.

Representantes de populações do campo recorrem, por exemplo, ao direito de consulta prévia para discordar do esquema atual de votações. O diálogo com as comunidades em casos de obras e pautas que afetem seus interesses está previsto, por exemplo, na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. Os dirigentes se queixam de não terem sido ouvidos sobre o PL e afirmam que o contexto de pandemia dificulta, inclusive, a articulação social, pelo fato de as comunidades estarem seguindo as políticas de isolamento.

E o governo federal afirma que a mudança na lei não é para beneficiar grileiros, mas sim garantir a posse da terra para produtores rurais que migraram para a Amazônia com a promessa de que teriam áreas para trabalhar.

A MP da grilagem pode mudar o mapa de regiões da Amazônia 

O projeto de lei tem como alvo terras públicas não destinadas, áreas que pertencem à União mas ainda não tiveram uma função definida, como, por exemplo, se tornarem parques nacionais ou reservas extrativistas.

Mas aí vem a preocupação. De toda a área desmatada na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019, 35% são terras públicas não destinadas, segundo uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

A prática de desmatar áreas públicas e fraudar documentos para simular a posse dos terrenos é conhecida como grilagem. O objetivo principal dos grileiros é vender as terras, lucrando com a valorização ocorrida após o desmatamento, uma vez que a área se torne apta para atividades agropecuárias. A pecuária é a atividade preferencial.

A grilagem é apontada como uma das maiores causas do desmatamento na Amazônia e a prática alimenta o mercado ilegal de terras na região, gerando uma corrida incessante por novas áreas de floresta.

Considerações finais

É fato que um assunto de tamanha complexidade precisa ser amplamente debatido com a sociedade, com participação e transparência, para que diferentes vozes ajudem os parlamentares a retirar do texto pontos que beneficiam poucos e prejudicam muitos, o que é impossível no momento. Com o Congresso fazendo votações remotas para conter os riscos de contaminação pelo vírus, a participação social ficou bastante limitada.

Os nossos olhares estão voltados para a pandemia e este está longe de ser o momento correto para seguirmos com este projeto de lei. Fazer esta votação agora, seria como passar por cima da população e empurrar goela abaixo uma lei aprovada por baixo dos panos.

Fonte: http://www.matanativa.com.br/blog/mp-da-grilagem/

Fernanda de Carvalho

Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Continuou seus estudos na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo da Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental no Meio Ambiente Florestal da Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados no blog Mata Nativa.

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