Um pouco sobre Fritjof Capra e sua proposta de alfabetização ecológica

Esse ensaio trata de aspectos acadêmicos importantes da obra de Fritjof Capra, um autor cuja produção está entre a ciência, a filosofia, a divulgação científica e o misticismo. Capra é um pesquisador com doutorado em física teórica, pela Universidade de Viena. Se tornou-se mundialmente famoso com o livro O Tao da física, em que traça um paralelo entre a física moderna e as filosofias e pensamentos orientais, como o taoísmo, o budismo e o Hinduísmo. No livro supracitado, publicado em 1975, Capra apresentou ao grande público alguns conceitos que, curiosamente, também estavam sendo discutidos nas primeiras obras seminais de O método de Edgar Moran, de 1973.

Tanto Capra quanto Morin sugerem que o mundo atual exige uma mudança de paradigma, criticando severamente o cartesianismo de nossa ciência, porém Capra, foi relegado ao campo de divulgador pop. Isso porque, após O Tao da Física, o livro O ponto de mutação, cujo o nome é inspirado na tradução literal do I Ching (livro das mutações), se tornou um best seller e universalizou sua crítica à ciência.

Muitos acreditam que Capra tentou, conscientemente, ao longo de sua obra, tornar um pouco menos definido o limite entre o conhecimento erudito e os diferentes pensamentos de culturas tradicionais (vale aqui conhecer a participação do Capra no livro O paradigma Holográfico: uma investigação nas fronteiras da ciência, para entender o grau de ousadia). Assim sua obra foi capturada pela doutrina conhecida como misticismo quântico moderno, uma pseudociência que subverte conceitos físicos em explicações de cunho espiritualista (isso mesmo, aquele da Lei da Atração).

Apesar da convergência entre as obras de Capra e de Morin, advogando pela adoção de uma perspectiva mais integrada e holística para enfrentar os desafios complexos do mundo atual, Capra se destaca ao trazer para o debate acadêmico, e para o grande público, diferentes visões sobre a existência e a natureza, produzida no contexto de outras visões cosmológicas.

Outro mérito de Capra está no paralelo que ele produz com conceitos ecológicos, trazendo à luz da cultura ocidental um argumento crítico a visão científica cartesiana e a acusando de ter permitido a degradação ambiental, insustentável. Dessa forma, Capra avança em romper com os modelos atuais criando um corpo crítico com maior poder operacional do que as ideias de Moran.

Nos últimos anos Capra tem trabalhado em Berkeley, Califórnia, onde criou um centro de educação ecológica. Seu novo empreendimento tem sido desenvolver e aplicar princípios que norteiam a mudança de paradigma. Estes têm grande potencial de formar um corpo crítico operacional, atuando também como uma praxis educativa voltada para o que ele chama de Alfabetização ecológica. No contexto da alfabetização ecológica, Capra discorre sobre a necessidade de se alcançar um modelo sustentável de vida, utilizando a natureza como exemplo. Segundo o Frijol Capra:“– só podemos criar sociedades sustentáveis seguindo o modelo dos ecossistemas da natureza”. Precisamos mudar o paradigma central da nossa tradição científica pois:“– os sistema vivos são não lineares – são redes- enquanto nossa tradição científica está baseada no pensamento linear – cadeias de causa e efeito.

COMO FUNCIONA NA PRÁTICA?

Para orientar sua praxis, ele sugere começar com uma mudança de abordagem. Enquanto no sistema linear, a pergunta norteadora é: do que isso é feito ou como funciona? Nos sistemas holísticos ou sustentáveis a pergunta norteadora é: qual é o padrão? Ou seja, o pensamento linear, que é a base do paradigma científico vigente, cartesiano, implica na fragmentação do problema e a identificação de causas e efeitos, o que resulta em uma noção imperfeita da realidade.

A visão linear é a causadora dos nossos problemas ambientais atuais, pois permite um tipo de atuação que maximiza o lucro. No pensamento linear, quando algo funciona, conseguir mais isso é sempre melhor. Imagina-se, portanto, que uma economia saudável é aquela que vai exibir um crescimento forte e infinito. Entretanto, os sistemas vivos bem-sucedidos, são altamente não-lineares, eles não visam maximizar as suas variáveis; ao contrário, eles as otimizam. No pensamento não linear, quando algo é bom, uma quantidade maior desse algo não será necessariamente melhor, uma vez que as coisas andam em círculos e não em linhas retas. A questão não é ser eficiente, mas ser sustentável. O que conta é a qualidade e não a quantidade.

SUSTENTABILIDADE E DIVERSIDADE PARA SALVAR O PLANETA

Para atuar no contexto do novo paradigma, precisamos sempre olhar para a natureza. Como exemplo prático podemos discutir o conceito de vida e diversidade. Na tradição atual a diversidade é a vida que precisa ser protegida, porém, no novo paradigma, a vida não se resume a existência de diferentes formas – diversidade, a vida emerge da teia de relações e ela só existe como propriedade emergente deste funcionamento integrado. Veja que o “como funciona” é mais importante que “do que é feito”.

Neste contexto, a proteção da vida não se resume a conservação da diversidade apenas, pois a vida está no movimento, no fluxo. Em linhas gerais, a energia que entra no sistema natureza é convertida e transformada em vida (senso estrito) e trabalho. Ou seja, a diversidade é uma condição alcançada para reduzir perdas de energia de um sistema – toda energia acaba sendo trabalhada e otimizada. Não existe um trabalho para aumentar a aquisição de energia ou produção de mais trabalho (pensamento típico de nosso modelo linear de pensamento). A diversidade aumenta e tem o papel de estabilizar a vida, fazendo com que a vida persista, ao encontrar caminhos diferentes em momentos de crise.

Repare que, os sistemas naturais são capazes de aprender continuamente e produzir, via diversidade, uma reação para reduzir as perdas de energia. Devemos também perceber que todos os ciclos ecológicos se autorregulam ou se auto organizam. O equilíbrio é dinâmico. A mudança é a única constância; e o foco é a otimização. Incrível isso não?

Por fim, Fritjof Capra torna sua filosofia operacional ao advogar que nossos modelos de desenvolvimento devem ser reavaliados, considerando conceitos e propriedades intrínsecos da natureza, sendo estes:

REDES – Os membros de uma comunidade ecológica existem na ocorrência de relações, a sustentabilidade dessas relações é que garante a vida. Assim a vida não é uma propriedade individual e sim uma propriedade conferida pela rede e da própria rede;

SISTEMAS ANINHADOS – encontramos sempre sistemas aninhados dentro de sistemas. Os mesmos princípios básicos de organização operam em cada escala mas há níveis diferentes de complexidade e propriedades emergentes;

INTERDEPENDÊNCIA – a sustentabilidade das diferentes populações e a sustentabilidade de todo o ecossistema são interdependentes;

DIVERSIDADE – A diversidade pode aumentar a redundância e conferir resiliência aos sistemas;

CICLOS –  a matéria pode sempre ser reciclada na natureza. Tudo que é produzido de resíduo deve servir de alimento a outro processo;

FLUXOS – a energia entra no sistema e deve ser convertida, transformada em trabalho, que deve ser efetivo e econômico em todo o seu processo, reduzindo energias que escapam por vias não renováveis;

DESENVOLVIMENTO – Os sistemas naturais são capazes de aprender continuamente, aprendendo e reagindo rápido em direção à otimização;

EQUILÍBRIO DINÂMICO – Todos os ciclos ecológicos se auto-regulam e se auto-organizam. Os sistemas só se arruínam quando os limites de tolerância forem ultrapassados por muito tempo. O stress deve ser respondido por meio da otimização, diferente do empregado por sistemas humanos que maximizam vias e levam os sistemas ao colapso.

Por mais que o conceito de sustentabilidade não esteja apresentado acima, ele é inerente à toda a filosofia de Capra. No contexto dos conceitos apresentados acima a sustentabilidade pode ser subdividida em sustentabilidade de rede e sustentabilidade de ciclo. Na sustentabilidade de rede, os membros de uma comunidade ecológica existem na ocorrência de relações. A sustentabilidade dessas relações é que garante a vida. Ou seja, a vida não é uma propriedade individual, mas uma propriedade conferida pela rede, ou uma propriedade da própria rede. Na sustentabilidade de ciclo, a matéria pode sempre ser reciclada na natureza. Tudo que é produzido de resíduo deve servir de alimento para outros processos, que precisam ser diversificados.

Este pensamento demanda uma real alteração paradigmática, uma nova visão da existência ou cosmovisão, que interfere em todos os níveis de organização. Mesmo a noção de indivíduo é distorcida (ou retorcida), pois o indivíduo só existe e é produzido no ambiente natural a partir de suas interações ambientais. Ou seja, tanto no campo físico da natureza quanto no campo social, a construção do indivíduo se dá dentro de um contexto e por meio das inúmeras interações que ele estabelece e se realiza como existência. Nesta rede de relações, o homem precisa ser visto dentro de uma perspectiva expandida, assim como a saúde do homem precisa ser considerada para além da individualidade. Essa nova visão implica em profunda responsabilidade com a conservação ambiental.

Um conceito ainda ligado à ideia de sustentabilidade de rede é o de sistemas aninhados. Para Fritjof e Capra, encontramos sempre sistemas aninhados dentro dos sistemas. Assim, os mesmos princípios físicos básicos de organização operam em cada escala de organização, mas, a cada escala, percebemos novas propriedades emergentes. E aí, ele desenvolve um outro conceito: o da interdependência (já citado acima). Os diferentes níveis, com os seus diferentes sistemas aninhados, são completamente interdependentes. Podemos dizer que o desenvolvimento Sustentável pode ser implementado por intervenções pequenas, em qualquer escala, no contexto de rede, isso será sentido em todos os níveis.

Acho que até aqui já é possível perceber quão profunda é a mudança proposta pelas ideias de Capra, no que diz respeito à forma de se olhar a vida e a existência. Portanto, é fundamental entender que nosso “óculos conceitual” (ou paradigma) é ineficiente para se relacionar com os aspectos da vida (aqui usado em sentido amplo), ou natureza viva da qual fazemos parte.

E AGORA? COMO COMEÇAR?

Nos meus 20 anos de cátedra a pergunta que mais me perturba após apresentar o quadro de limitações de nossa capacidade de visão é: como podemos contribuir para a sustentabilidade? Nos últimos anos elaborei uma resposta com base na ecologia e na alfabetização ecológica. De posse do contexto apresentado seria necessário uma re-alfabetização dentro de um novo paradigma ou uma nova cosmovisão, mas enquanto isso não é possível, devemos trabalhar para não matar, nem as formas de vida e nem as cosmovisões (manter a biodiversidade, cultural e biológica), pois a existência destas cosmovisões é a única forma de garantir que a vida persista ou que encontremos uma alternativa no cenário e crise.

Agora que você conhece um pouco mais sobre essa crítica à sua cosmovisão, o que acha de Fritjof Capra?

Rodrigo Lemes

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia (1999), mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2002) e doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). É professor do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 2009. Atua na área de Desenvolvimento Sócioambiental e Ecologia Evolutiva, com experiência em gestão de projetos de caráter interdisciplinar. É representante do NUPEM no Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (CONPARNA).

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