A colonização de um conto

O que é a natureza?

Quais valores reproduzimos na nossa relação com a natureza?

De onde vem esse nosso modo de pensar?

O conto a seguir, tem por finalidade transmitir certas sensações sobre o processo de colonização ocorrido na América do Sul. O resultado todos nós já sabemos: a substituição dos conhecimentos e da visão de mundo da população nativa, pela visão do colonizador. O que via de regra, está estritamente ligada aos ideais de progresso e desenvolvimento que moldam nossa forma de relação com a natureza e o modo de conhecimento excludente predominante nas escolas e universidades nos dias atuais.

É excludente porque manifesta uma única e fragmentada forma de pensar. Que nos foi imposta a tanto tempo que já nem sabemos mais quando e como tudo isso aconteceu.

Espero que este post possa te lembrar.

Era uma vez um reino sem rei. Não que o povo desse reino tivesse algo contra os reis. Não era esse o caso. É que, naquela terra, mesmo o mais poderoso dos reis sabia que o poder era uma ilusão e que a verdadeira rainha era a Floresta, pois era ela quem compartilhava a água, a comida, o ar puro e a quem celebravam nos dias de festa.

A rainha Floresta era a Vida que crescia no Solo. Com a energia que recebia do Sol e da Chuva, ela gestava um Rio que corria livre espalhando a Vida que compartilhava com os todos os Animais pra depois levar tudo para o Mar. A Floresta Vida, fluía pelos os Homens e Mulheres daquela terra que, por isso, entendiam que faziam parte da Floresta também:

_ Nós somos todos iguais, somos a Floresta, que se manifesta na forma de Mulheres, Homens, Solo, Rio, Plantas, Ar e Animais.

E desse jeito foi sempre, desde o início dos tempos, um Humano ensinando pro outro por meio das histórias que os mais antigos contavam nas festividades ocasionais, tudo aquilo que aprenderam com a Floresta anos e anos atrás. E assim seria sempre.

Até que um dia tudo ficou diferente.

O menino veio da mata com um semblante assustado:

_Tem um povo que chegou lá do outro lado! Mas não sei se são gente, podem ser espíritos para serem assim, tão pálidos.

Os guerreiros, sempre atentos, foram ver o que havia de errado. Viram uma canoa muito grande no Mar e uns homens quase mortos que estavam na praia a se arrastar.

Pensaram:

_Vamos levá-los para a Floresta, que ela há de os curar.

E assim fizeram. Levaram junto consigo os que chegaram. Deram comida, trataram dos machucados. Logo ficaram amigos e procuraram o que trocar.

Os visitantes deram objetos mágicos em troca dos encantos da Floresta, que seu povo compartilhava com alegria. A amizade se fortalecia.

Um dia, chegaram mais homens pálidos, no outro dia mais e mais homens pálidos. E depois muito mais homens pálidos do que se podia imaginar. A Floresta começou a estranhar.     

Eles começaram a derrubar as Árvores da Floresta, matar os Animais bonitos da Floresta e o povo da Floresta tentaram explorar.

Gritavam:

_ Eles não tem alma, podemos escravizar!  E os que não quiserem trabalhar, podemos matar!

E a cada dia a maldade crescia. O povo da Floresta não aceitou a oferta. Preferiam morrer lutando ao ver seu povo escravo.

 Então foi guerra atrás de guerra. Não se via mais paz na Floresta. Os homens pálidos com suas balas de aço contra o povo da Floresta e os seus arcos. A briga não era justa. Os homens pálidos não eram honrados e agiram de muito mal grado, manipulando os povos da Floresta para que não lutassem lado a lado.

O tempo foi passando, muito sangue se derramando e tudo o que era a Floresta, foi sendo transformado. Já não se via mais tanto a Vida, a mata virou campo, que depois virou fazenda, que depois virou cidade. Aqui se já era outro momento:

_ Tudo em nome do sagrado “progresso e desenvolvimento”!

Era o que os homens pálidos diziam, já que agora ali mandavam. E foi a partir de então que muita coisa aconteceu.

A Floresta virou coisa, os Homens negros e Mulheres negras (povos de outra Floresta) que chegaram escravizados, apesar de muito também terem lutado, viraram coisas, os pobres viraram coisas e o povo que restou da Floresta também já tinha virado coisa. Tudo virou uma coisa só: “recursos” a serem explorados em nome desse “progresso e desenvolvimento”, que por sinal, passou a ser o rei desse reino que não tinha rei.

E como o rei que era, ele passou a ensinar as pessoas também, já que grande parte dos ensinamentos  da Floresta com o seu povo morreu.

 Agora não mais se aprendia por meio dos conhecimentos orais, como se fazia nos encontros e rituais. Mas sim por meio de um código escrito nas coisas em que as árvores da Floresta foram transformadas, que o povo tinha de decifrar. Umas letrinhas miudinhas, todas em fileirinha, que só uma parte pequenininha do povo conseguia acompanhar. E entender tudo separado, como se nada existisse de fato, às outras pessoas só restava acreditar.

Mais tempo foi passando. Muitas histórias sobre esse reinado. Muita pobreza, injustiça, fome, matança e desequilíbrio pra todo o lado. Exploraram tanto, tanto, tanto a Floresta, poluíram o Ar, contaminaram o Solo, sujaram a Água do Rio e nem te falo o que fizeram com o Mar.

 O povo desse reinado, ao ver tudo quase acabado, já não sabia mais o que pensar. Procuravam a quem culpar.

Mas eu te digo com clareza, que isso tudo foi o resultado de terem escolhido a riqueza. Não se pode deixar os saberes da Floresta de lado. Eles já não sabem o que é a Vida, por isso não sabem quem são. Uns dizem que são Humanos, mas não tenho certeza se eles têm razão.

_E a Floresta qual o final da história dela?

Pensou certo indivíduo que a esta altura, toda essa história havia captado, ao refletir sobre o seu país e tudo o que ali havia de errado.

A Floresta ainda é a viva, porque a Floresta é a Vida, por mais que hoje esteja diminuída, e que as pessoas não saibam disso mais. Talvez tenham que aprender não só lendo e escrevendo, se quiserem continuar sobrevivendo, e sim, aprender como se sentirem pertencentes à Floresta Vida, como fizeram os povos ancestrais.

Mas essa é outra história, que começa aqui e agora e não sou eu quem vai contar.

Amanda Vitório

Amanda da Silva Batista Vitório é bióloga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e também atriz. É aluna de pós-graduação em Ciência Ambientais pela UFRJ e do curso de Artes Cênicas pela Escola Municipal de Artes de Macaé. Tem experiência na área de Limnologia. Atualmente trabalha com teatro como ferramenta de Educação Ambiental por meio da criação e direção de peças teatrais com temática socioambiental.

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