O mar está invadindo a cidade ou nós estamos invadindo a praia?

Quem mora na região dos lagos sabe que é normal olharmos para a praia durante nossos trajetos no dia a dia. Em alguns trechos é possível observar a praia bem de perto, como por exemplo, na praia da Tartaruga em Rio das Ostras. Infelizmente, nesse caso, ocorre por conta de um fenômeno causado pelo ser humano. 

O avanço do mar se deve a várias causas naturais. O crescimento desenfreado da população, junto com a falta de conscientização da sociedade a respeito deste tema, faz com que ele se agrave cada vez mais. Mas você já se perguntou o que a retirada da vegetação tem a ver com a invasão do mar? Para entendermos a dinâmica entre esses dois pontos, precisamos compreender a importância da vegetação de restinga.

Freire, G., n.d. Vegetação Da Restinga. .
Freire, G., n.d. Vegetação Da Restinga.

O termo restinga é usado para definir diferentes formas de vegetação estabelecidas em solos arenosos em planícies costeiras. Esses solos arenosos vêm principalmente de depósitos oceânicos durante a redução do nível do mar em diferentes períodos geológicos ( frações da história do planeta terra marcados pela modificação dos continentes e oceanos). Nela também estão presentes zonas de transição entre dois biomas (também chamadas de ecótonos), que são áreas ricas em biodiversidade uma vez que espécies entre biomas diferentes entram em contato direto. Portanto, a restinga é um agrupamento de plantas que se adaptaram ao solo arenoso, ambiente rico em sal e com temperaturas altíssimas. Além de servir como alimento e abrigo para várias espécies animais, a restinga também é responsável pela manutenção dos manguezais e pela fixação da areia e de dunas. Uma forma de entender essa dinâmica é imaginar,  por exemplo, quando você vai a praia, chega em casa, lava o seu cabelo e às vezes  é difícil conseguir remover toda a areia. De forma similar ao cabelo, a vegetação costeira forma uma rede que segura a areia, impedindo que o mar a remova, processo conhecido como erosão.

A erosão é um processo natural, porém as ações humanas têm acelerado cada vez mais esse fenômeno. De acordo com o Atlas dos Remanescentes de Florestais da Mata Atlântica, publicado pela Fundação SOS Mata Atlântica, só no Ceará, entre 2018 e 2019, cerca de 804 hectares ( ou 8.040.000 m², aproximadamente 804 campos de futebol ) de vegetação foram retirados. As cidades litorâneas estão crescendo cada vez mais e para que isso ocorra, muitas das áreas de restinga são destruídas para a construção de imóveis. Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Geografia Física da UFF, monitorou a linha de costa (o local onde a parte seca da areia encontra a área molhada) entre a praia da Tartaruga e o rio São João (Barra de São João) entre os anos de 2005 e 2016. Os dados obtidos mostraram que as áreas mais desmatadas e urbanizadas sofreram um avanço maior. Veja abaixo: 

Fonte :LIMA MAGALHÃES, B. BAPTISTA, T.; FERNANDEZ, G. Mapa de representação da linha de costa referente aos anos de 2005 e 2016, 2018. Disponível em: <https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/sbgfa/article/view/2356/2184>. Acesso em: 16 dez. 2020

Enquanto na  figura E (área próxima ao rio São João) a linha de costa entre 2005 e 2016 foi quase nula, na figura B (área próxima a praia da Tartaruga) o avanço foi de 13 metros!

Fica a lição do quão importante é preservarmos essa vegetação que vem sendo atacada desde a época da colonização do Brasil. Além de ser sensível, a restinga muita das vezes não é respeitada, como em épocas de carnaval, em que uma quantidade absurda de lixo é despejada nas praias. Mas e então, o que você acha? O mar está invadindo a cidade ou  nós estamos invadindo a praia? 

Referências:

Mori, L., 2019. Como a erosão afeta 60% do litoral brasileiro e deforma centenas de quilômetros de praia. BBC, [online] Available at: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46783072> [Accessed 9 December 2020].

AZEVEDO, N.H.; MARTINI, A.M.Z.; OLIVEIRA, A.A.; SCARPA, D.L.; PETROBRAS:USP, IB, LabTrop/BioIn (org.). Ecologia na restinga: uma sequência didática argumentativa. 1ed. São Paulo: Edição dos autores, Janeiro de 2014. 140p.

Lima Magalhães, B., Baptista, T. and Fernandez, G., 2018. Dinâmica Da Linha De Costa Entre A Praia Da Tartaruga E A Desembocadura Do Rio São João (RJ). [online] Available at: https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/sbgfa/article/view/2356> [Accessed 9 December 2020].

Santomauro, B., 2010. Restinga: A Vegetação Do Litoral Em Perigo – Litoral Em Perigo. [online] Nova Escola. Available at: <https://novaescola.org.br/conteudo/2344/restinga-a-vegetacao-do-litoral-em-perigo> [Accessed 9 December 2020].

João Marcello Oliveira Galeno

Amante de plantas e curioso nato, João Marcello Oliveira Galeno é estudante de Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM). Auxiliar de professor com experiência em recursos audiovisuais e formado como técnico de enfermagem.

6 comentários em “O mar está invadindo a cidade ou nós estamos invadindo a praia?

  • 23 de dezembro de 2020 em 22:10
    Permalink

    Nossa eu amei muito, é muito importante saber sobre nosso lugar, o que tem nele e ainda mais coisas informativas assim!! Amei

  • 23 de dezembro de 2020 em 22:13
    Permalink

    Quando passo por Rio das Ostras sempre observo a proximidade entre a cidade e a praia, porém nunca havia pensado sobre as consequências negativas que isso poderia ter, o texto realmente me abriu muitos os olhos. Vamos proteger as nossas restingas!

  • 23 de dezembro de 2020 em 22:18
    Permalink

    Realmente cada dia que passa vejo que o ser humano sempre colhe o que planta e essas são as consequências que infelizmente temos que lidar. Ótima visão sobre o assunto!

  • 23 de dezembro de 2020 em 22:31
    Permalink

    É eu nunca parei para analisar o porque disso acontecer!!!

  • 23 de dezembro de 2020 em 22:44
    Permalink

    Excelente explicação !
    Amei a comparação que foi feita com o cabelo , ajuda a entender muito mais . Parabéns !!

  • 23 de dezembro de 2020 em 23:15
    Permalink

    Sou licenciada em Geografia e achei esse artigo muito esclarecedor sobre as consequências dos nossos atos em relação à natureza, em especial aos mares, restingas…
    E seguimos invadindo as praias, desde os tempos da chegada de Pedro A. Cabral, como se não houvesse amanhã!
    Precisamos mudar nossos atos enquanto há tempo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *