Você sabe o que é Setembro Amarelo?

Vivenciamos um ano atípico pois além da preocupação com as questões de saúde suscitadas pela pandemia do novo Corona vírus, a sociedade ainda precisa lidar com questões do efeito sobre a sobre saúde mental. Essa questão, pautada pelo quadro de isolamento social necessário ao enfrentamento da pandemia, tem ainda mais espaço no mês de setembro com a agenda do Setembro Amarelo e demais iniciativas globais de prevenção ao suicídio, que atingem seu ápice no dia 10 do referido mês.

A associação de datas a temáticas relativas a saúde, e a outras temáticas de interesse social, por vezes é imbuída em afetos. Com o Setembro Amarelo não poderia ser diferente. A história por trás da iniciativa tem início com o trágico fim da vida do jovem Mike Emme, filho do casal Dale e Darlene Emme, Mike tirou a própria vida no dia 8 de setembro de 1994. Apesar da pouca idade, Mike era um habilidoso mecânico. Ele restaurou sozinho o próprio carro, um Ford Mustang 1968 amarelo. No dia do velório de Mike, seus amigos e familiares levaram fitas amarelas, com o apelido pelo qual o jovem era conhecido: ‘Mustang Mike’, presas a cartões com mensagens de incentivo a busca por ajuda voltadas a pessoas que passam por um sofrimento parecido com o do jovem.

Essa iniciativa logo se espalhou, culminando na campanha conhecida como Yellow Ribbon, em tradução literal, fita amarela. Depois disso, a Yellow Ribbon se tornou um grande programa de prevenção ao suicídio. Utilizando a memória de Mike, o programa traçou como objetivo evitar que outras pessoas tivessem o mesmo destino do rapaz.

A Organização Mundial da Saúde, desde 1999, desenvolve estratégias para a prevenção do suicídio, e capacitação de pessoas para seu enfrentamento. No Brasil, a campanha de enfrentamento ao problema do suicídio, foi nomeada de “Setembro Amarelo”, uma iniciativa do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Centro de Valorização da Vida (CVV) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Usando o mês de setembro como mês de conscientização a prevenção ao suicídio e a atenção a saúde mental, em consonância com a data mundial de prevenção ao suicídio, dia 10 de setembro. Assim, há diversas iniciativas, advindas de Instituições (Associações, Conselhos de Classe, e outros atores) que aparecem massivamente nas mídias tradicionais e em nossas redes sociais.

Sensibilizadas, algumas pessoas se dispõem a ouvir as questões daqueles que sofrem e que, por vezes, pensam no suicídio como um meio de pôr fim ao sofrimento. A despeito das intenções destas pessoas dispostas a ajudar e do quão altruístas e benéficas essas atitudes possam ser, há certos cuidados a serem tomados.

Nestes momentos em que a temática da prevenção ao suicídio ganha força, é comum ver pessoas abrindo suas caixas de mensagem para receber relatos, desabafos e o lamento de outras. Mas, quem sofre, não apenas sofre enquanto sente, rememora, re-vivência enquanto fala. Trazer à tona, falar, é uma forma de curar (curare significa cuidar em latim), de lidar. Entretanto, pode ser imprudente afirmar que apenas as boas intenções em oferecer escuta aos que sofrem, por si só, poderá garantir o resultado esperado, ou seja, a melhora de um quadro de sofrimento psíquico.

Profissionais de psicologia estudam durante cinco anos, para alcançar uma compreensão mais aprofundada e complexa dos fenômenos que abrangem o sofrimento e o potencial dos indivíduos para lidar com ele. Ser um profissional de Psicologia envolve lidar com implicações éticas acerca do relato de seus pacientes/clientes, com sigilo e laicidade em sua prática. Todos esses pontos, e outros, subordinam-se aos preceitos éticos do Conselho Federal de Psicologia, que orienta e subsidia o trabalho da categoria.

Tais profissionais, em sua formação, desenvolvem uma vasta gama de conhecimentos para melhor compreender a imensa quantidade de questões concernentes ao ser humano. Assim, a despeito da abordagem a qual possa orientar em nível teórico a prática psicológica, não há profissional mais qualificado para lidar com o sofrimento de uma pessoa, do que o psicólogo.

Psiquiatras, por sua vez, lidarão com os aspectos e sinais comportamentais e fisiológicos, oriundos ou produzidos pelo sofrimento psíquico. Utilizarão psicofarmacos para promover melhora na qualidade de vida dos pacientes, entretanto, cabe ao profissional de psicologia, amparado por seu conhecimento científico e técnicas profissionais, estabelecer espaços de conhecimento dos motivos do sofrimento relatado, desenvolver junto ao cliente melhores entendimentos sobre esse mal-estar, ressignificar sua história e encontrar novos meios de lidar com as questões produtoras e decorrentes desse sofrimento.

Amigos, por mais bem intencionados que sejam, dificilmente estão preparados para lidar com algumas questões de seu sofrimento. Líderes religiosos, por mais idôneos e conhecedores da prática religiosa que possam ser, não estão preparados para lidar com certas questões do seu sofrimento. Familiares, por mais acolhedores que possam ser, não estão preparados para lidar com alguns aspectos do seu sofrimento. Muito além da boa vontade em ajudar, a prática em Psicologia demanda ciência, rigorosamente desenvolvida por décadas de nossa história.

Por vezes, para o sujeito em sofrimento psíquico, as questões que o afligem o conduzem por um caminho solitário, onde o sentimento de desamparo e desesperança, podem levá-lo a percepção de que apenas a morte pode aliviá-lo do sofrimento.

Sofrer pode ser algo solitário, mas enfrentar o sofrimento não precisa ser.

Se você é amigo, colega ou familiar de alguém que sofre e que, por vezes, externa tais sentimentos fatalistas sobre o que sente, apenas o acolha! Ouça! Mas, acima de tudo, deixe claro que, a melhor forma de lidar com certos sofrimentos, é procurar ajuda especializada. Se você está sofrendo, procure ajuda! Se deixe ajudar! Não tenha vergonha de falar sobre o que sente, e sobre o que lhe causa sofrimento. Talvez, você não esteja tão sozinho quanto pensa estar.

A graduação em psicologia proporciona certas reflexões, as quais ainda se fazem presentes, em minha mente, e em minha prática. Certa vez, um professor, de psicopatologia, disse esta frase em aula: “O problema da psique, é que ela não sangra”. Quando alguém tem uma hemorragia, uma infecção, uma fratura, tem a evidência de que há algo de errado com o organismo, que seu equilíbrio foi afetado e que precisa fazer algo a respeito. Sim, talvez sintamos como se sangrássemos quando estamos em sofrimento psicológico, contudo esse sangue não só não é vermelho, como pode não ser visível. Assim, nem sempre as pessoas conseguirão perceber nosso sofrimento, tampouco nós conseguiremos facilmente os fazer ver. Portanto, se há evidência de que algo não vai bem, não espere piorar, não espere que alguém vá facilmente perceber o seu sofrimento, busque ajuda especializada. Além disso, se observar que alguém necessite de ajuda, o acolha, mas saiba observar os limites de sua possibilidade de ajudar. Muitas vezes sua maior ajudar pode ser ajudar a essa pessoa conseguir se deixar ajudar por um profissional competente.

Talvez você não possa escolher o seu sofrimento, mas pode escolher o que fazer com ele.

Um comentário em “Você sabe o que é Setembro Amarelo?

  • 23 de setembro de 2020 em 11:27
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    Texto incrível! 👏

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