Manga com leite ou fake news? O que mata mais?

Gabriela Bessa e Amanda Berbert Rodrigues de Barros

Muito provavelmente você já ouviu frases como essa “comer manga e tomar leite pode o levar a morte”, assim como, “se pôr a mão na borboleta e coçar o olho você fica cego”,  “palma da mão coçando, é sinal de dinheiro”, e muitas outras superstições. Segundo o psicólogo comportamental Stuart Vyse, especialista em crença e superstições, “as superstições são úteis quando não temos controle sobre algo que desejamos muito que aconteça”. Ainda segundo ele, muitas vezes as superstições podem nos ajudar, pelo menos no quesito emocional, pois nossas expectativas e nossas ansiedades influenciam na forma como agimos em determinadas situações. Frequentemente tememos pelo caminho que as coisas podem tomar, isso nos traz inseguranças, e por essa razão adotamos rituais que consideramos que nos trarão sorte, assim nos sentimos mais confiantes. 

Para Richard Dawkins, biólogo britânico, o medo é um mecanismo biológico muito valioso. Segundo ele, nossos ancestrais tiveram vidas perigosas, então naturalmente tentaram desenvolver maneiras de evitar esses perigos terríveis. Muitas vezes essas maneiras consistem em padrões de comportamento individual ou coletivo. Ou seja, passavam a fugir de determinadas situações e a buscar outras. Alguns hábitos supersticiosos foram construídos buscando evitar a algumas doenças, já que antes da ciência moderna essas eram completamente imprevisíveis ou desconhecidas. “Se eu coço minha orelha esquerda e algo terrível acontece, então talvez eu deva ter certeza de não coçar minha orelha esquerda novamente para que algo terrível não volte a acontecer.” Ou seja, há estabelecimento de uma relação de causa e efeito entre dois eventos/acontecimentos que não tem qualquer relação entre si (a não ser se observado pela mesma pessoa). “Isso são respostas supersticiosas quando você está vivendo em um mundo de ignorância. Então, se você é governado pelo medo, você poderia muito bem inventar superstições”. O grande problema é que, mesmo após o aumento de informações, tecnologias e inovações na ciência, muitas pessoas sentem dificuldade em se desprender dessas superstições primitivas (assista a fala completa de Richard Dawkins neste link). 

Entretanto, é preciso tomar muito cuidado, pois embora muitas superstições nos ajudem a driblar nossas emoções, há um problema quando os rituais  fogem ao controle, com comportamentos repetitivos que podem estar associados, por exemplo, ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Na verdade, à primeira vista, as superstições parecem bastante inofensivas, mas, se as examinar mais detalhadamente elas podem ser porta de entrada para grandes mentiras, que passarão de geração para geração, podendo prejudicar a vida das pessoas a depender dos tipo de superstição. É preciso, portanto, estar atento à origem delas, afinal, muitas foram criadas e propagadas com o intuito de enganar a alguém para benefício próprio, ou simplesmente para o conforto pessoal – e é aí que as superstições esbarram no conceito de fake news, este muito falado nos tempos atuais.

Mas antes de entrar nesse assunto, vamos só exemplificar um caso clássico de informação falsa. Lembra do título desse texto? Seguindo na contramão do que o título prega, a nutricionista Sara Bortoluz explica que (link), a combinação de leite com manga está longe de fazer mal, e inclusive é bastante saudável, pois oferece boas doses de vitaminas e minerais ao organismo. 

Durante o regime de escravidão no Brasil, os escravos faziam trabalhos muito pesados durante o dia. Como eles eram mal alimentados (quando eram alimentados) tinham o hábito de consumir muita manga, pois era uma fruta bem comum e abundante nas propriedades rurais. Naquela época o leite era um alimento bastante caro, de uso exclusivo dos patrões, ou seja, senhores de engenho, que o comercializavam. Portanto, para que o leite, tão precioso, destinado ao comércio, não fosse consumido pelos escravos, os senhores de engenho inventaram o mito. E espalharam a notícia de que manga com leite fazia mal, um mito que perdura até os dias de hoje.

Em nosso último texto sobre fake news (aquele tema que ninguém aguenta mais ouvir,  mas que tem feito cada vez mais reféns ao redor do mundo), ajudamos a reconhecer uma fake news e exemplificamos com um clássico caso que ocorreu no início da pandemia da covid19 (link). Hoje vamos conversar mais um pouco sobre essa complexa e antiga problemática.

Atualmente, as fake news tomaram conta dos nossos meios de comunicações e possuem um conceito  bem definido, não sendo aplicado apenas a histórias inventadas: “são notícias que querem, de forma proposital, veicular informações falsas como se fossem verdade, para enganar o público –  esse é um conceito apresentado no Journal of Economic Perspectives (Jornal de Perspectivas Econômicas) (link) pelos pesquisadores Hunt Allcott e Matthew Gentzkowdas da Universidades de Nova York e Stanford. Os tipos mais comuns de fake news atuais são aqueles com viés político ou de mercado, ou seja, notícias falsas criadas com o propósito de favorecer um determinado grupo político ou de mercado. Esse estudo explicitou as estratégias políticas de Donald Trump nas eleições de 2016, ao usar uma gama de instrumentos para propagar fake news, com o intuito de manipular seus eleitores.

Já voltando no tempo, temos diversas situações históricas em que mentiras e verdades se mesclavam e influenciavam a realidade. Temos o historiador Paul Veyne em seu ensaio: Os gregos acreditavam em seus mitos? (link) “Os homens não encontram a verdade, a constroem, como constroem sua história”. Ou seja, é certo que nossa opinião é diretamente influenciável sobre os fatos, sejam eles falsos (fake) ou verídicos.

O historiador francês Marc Bloch publicou em 1921 no ensaio Réflexions d’Un Historien Sur les Fausses Nouvelles de la Guerre (Os pensamentos de um historiador sobre as notícias falsas da guerra) , onde ele relatou o impacto das notícias falsas na 1ª Guerra Mundial (link): “Um erro só se propaga e se amplifica, só ganha vida com uma condição: encontrar um caldo de cultivo favorável na sociedade onde se expande. Nele, de forma inconsciente, os homens expressam seus preconceitos, seus ódios, seus temores, todas as suas emoções”. Ou seja, para a mentira ser bastante veiculada, é preciso que se acredite nela, ou que seja dito o que se quer escutar, é preciso que se encontre um terreno fértil para tal.

Fazendo uma pesquisa rápida, podemos achar fake news desde o Egito Antigo! Ramsés II, terceiro faraó de sua dinastia, espalhou a fake news (link) que havia acabado com os hititas na Batalha de Kadesh, atual Síria, e fez isso pintando toda essa “batalha” nas paredes de seus templos. Assim, o povo pôde assistir tal supremacia e realmente acreditou em sua vitória. Entretanto, não foi bem o que aconteceu. Ele apenas fez um acordo de não agressão com os Hititas e saiu de fininho…  olha a fake news na política aí desde 1279 a.C!

No Brasil também temos um exemplo histórico muito marcante, sendo a Revolta da vacina em 1904 um episódio em que a disseminação das fake news trouxe problemas graves para a sociedade. Segundo a Fiocruz (link), “Após um saldo total de 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos em menos de duas semanas de conflitos – em um contexto de protestos violentos contra a vacinação obrigatória – Rodrigues Alves – 5º presidente da República do Brasil – se viu obrigado a desistir dessa obrigatoriedade”. Isso ocorreu devido ao pavor da vacina, que gerou um aumento significativo na contaminação da população, causando em 1908 uma epidemia extremamente violenta de varíola.

A vacina da varíola, criada em 1796 pelo naturalista e médico Edward Jenner (link), na Inglaterra, foi gerada após a conclusão que Jenner teve ao observar que pessoas que ordenhavam as vacas e tinham contato com a cowpox – uma doença do gado que se assemelhava à varíola gerando lesões com pus – não contraíram a doença. Ou seja, tornavam-se “imunes”. Assim, começou-se a inocular – introduzir – a secreção de uma pessoa contaminada pela doença, em uma pessoa saudável, e esta acabava desenvolvendo sintomas mais brandos da doença, pois se adquire imunidade.

Porém, muitos médicos passaram a condenar essa prática, entre eles o português Heliodoro Carneiro, que em 1808 publicou um livro atacando a vacina (link).

Capa de livro português sobre “funestas consequências” da vacina contra a varíola. REPRODUÇÃO (CUSTOM CREDITO / AGÊNCIA SENADO

Essa obra ajudou a alastrar o desespero na população, assim como passaram a ser veiculados bilhetes e folhetos no Brasil Império, disseminando mais informações sobre a vacina que geraram pavor, como diz a Agência Senado 2019: “(…) Essa pequena revolta da vacina estourou depois que bilhetes e folhetos anônimos começaram a circular na vila avisando que a verdadeira intenção do político era infectar e matar todo mundo. Mais tarde, descobriu-se que as notícias falsas haviam partido do juiz de Paracatu, que era inimigo declarado do presidente da Câmara Municipal.“

Este exemplo da revolta da vacina com certeza vai te lembrar algo muito recente…. ou seja, as fake news sempre estiveram assolando e influenciando a sociedade, independente da época.

Um fato que aconteceu em 1938, nos Estados Unidos, instaurou o pânico na população durante a transmissão de “Guerra dos Mundos” num programa de rádio: o que era pra ser apenas uma peça de radioteatro, acabou sendo propagada como uma invasão alienígena. A adaptação de Orson Wells relatou a chegada dos aliens em Nova Jersey, e foi comunicada em forma de programa jornalístico com todas suas características. Isso deu a impressão aos 1,2 milhão de ouvintes que aquilo era real e estava acontecendo ao vivo! Muitos desses ouvintes acabaram perdendo a introdução que informava o radioteatro. Tal situação gerou pânico nas cidades vizinhas, fuga em massa, desespero e pavor! Orson Wells ficou mundialmente famoso após essa situação, assim como o programa de rádio ficou conhecido como “o que mais marcou a história da mídia do século 20” (link).

Esse acontecimento é um bom exemplo de  algo que não é uma fake news. Pois, apesar de não ser real, a invasão alien na verdade não foi comunicada com o intuito de enganar a população. A confusão aconteceu por um descuido. 

Como diz um certo provérbio “a mentira corre mais que a verdade”. E em tempos em que os estímulos ligados à tecnologia, conteúdo e atenção são cada vez mais velozes, o ser humano carece de momentos para pensar e avaliar o mundo de informações que recebe cotidianamente.  Em 1996, o filósofo Derridá publicou um ensaio intitulado “História de Mentira: prolegômenos” defendendo que a mentira sempre é um “ato intencional”. E relacionado a fake news, pode-se afirmar que a intenção sempre é manipular a opinião da população de alguma forma, com um intuito certo! 

Uffa! Quanta informação! Como deu para perceber, esse assunto já não é de hoje, né? E cada vez mais, surgem muitos estudos comparativos e explicativos sobre esse fenômeno de manipulação das interpretações sobre a realidade. Assim, esperamos que depois da leitura desse texto, você consiga entender melhor o que são as superstições, as fake news, suas origens e assim reduza as chances de ser manipulado por essas “notícias”.

Américo Pastor

Professor Adjunto do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou estágio pós-doutoral em Ensino de Saúde (EEAAC-UFF) e Cognição Social (UCP). Possui doutorado e mestrado em Educação em Ciências e Saúde pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES-UFRJ), bacharelado em Psicologia pela Universidade Católica de Petrópolis e bacharelado em Desenho Industrial (Design - Programação Visual) (UFRJ). Desenvolve pesquisas sobre aprendizagens mediadas por tecnologias, linguagens e audiovisuais nos espaços formais e não formais de educação em ciências e saúde.

2 comentários em “Manga com leite ou fake news? O que mata mais?

  • 30 de agosto de 2022 em 20:41
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  • 12 de maio de 2023 em 22:22
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