Uma pausa para respirar

 A pandemia do coronavírus, como sabemos, tem causado um grande impacto na vida dos seres humanos. Atualmente já foram registrados 127 milhões de casos em todo o mundo, sendo cerca de 13 milhões só no Brasil. Infelizmente, devido ao grande número de vítimas, as notícias que circulam sobre esse cenário são, na grande maioria, negativas. Com o intuito de diminuir e controlar a intensa propagação da doença, inúmeras medidas de segurança foram sugeridas há pouco mais de um ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que incluem a quarentena, o uso de máscaras de proteção e isolamento social.

Ao contrário do que parece, esse texto não é mais um daqueles que te deixam ainda mais triste e angustiado(a), mas sim, um texto para mostrar um pouco das coisas boas que têm acontecido, apesar de tudo. Com as medidas de isolamento, ruas vazias, carros na garagem, praias e parques praticamente desertos se tornaram cenas comuns em alguns lugares. A redução do fluxo humano e industrial abriram caminho para o que nunca deveria ter saído, proporcionaram à natureza uma pausa, um momento para “respirar” em meio aos tantos impactos que causamos a ela.

Como assim “uma pausa para respirar”? Essa pausa em decorrência da pandemia inclui pequenas e grandes industrias, fluxo de transportes terrestres, marítimos e aéreos, turismo e tantas outras categorias que, em grande escala, são responsáveis por diversos impactos ao meio ambiente. Com a diminuição desses e outros serviços, já no início da quarentena foi possível observar no Brasil e no mundo mudanças significativas na dinâmica da natureza, que vão desde a aparição de animais raros e exóticos, que há muito tempo não eram vistos, à diminuição de gases poluentes na atmosfera.

A emissão de gases que contribuem para o efeito estufa se dá, em sua maioria, pelas atividades industriais e queima de combustíveis fósseis. Com queda no consumo de petróleo e carvão nos primeiros meses de 2020, cerca de um milhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2) deixaram de ser emitidos por dia, reduzindo os níveis de poluição atmosférica em 20% em 27 países nas primeiras duas semanas de quarentena². De acordo com um artigo publicado em março de 2021¹, a Agência Espacial Europeia (European Space Agency -ESA) indica, através de imagens de satélite, uma diminuição nos níveis de poluição atmosférica em todo o globo. Nova York apresentou uma queda de 50% nos níveis de CO2 e a China registrou queda 25% nos níveis do mesmo gás, o que corresponde a 6% das emissões globais totais. Em outras partes do mundo, como retrata a Agência Ambiental Européia (European Environment Agency – EEA), as médias nos níveis de dióxido de nitrogênio (NO2) caíram 56% em Madri quando comparadas à semana anterior e 24% em Milão, nas primeiras semanas de março de 2020. Pesquisadores da EEA também observaram queda de aproximadamente 40% nas concentrações de dióxido de enxofre (SO2) em toda a Índia após o decreto de quarentena. A Índia, segundo o Greenpeace, é um dos países com maior índice de emissão de SO2 antropogênico no mundo¹.

No Brasil, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) em uma análise feita na segunda quinzena de março de 2020, observou que os índices de poluição atmosférica reduziram aproximadamente 50% ¹. Um estudo desenvolvido na região metropolitana de São Paulo indica uma diminuição nas concentrações de óxidos de nitrogênio, que variam entre 34% e 68%, quando comparados um dia de semana comum com o dia de menor emissão das primeiras semanas de isolamento2;3.

A cidade do Rio de Janeiro, assim como outras ao redor do mundo, foi palco de diversas aparições de animais que não eram comumente avistados na cidade. No Pão de açúcar, foi registrada a presença de abelhas nativas conhecidas como Mirim (Plebeia droryana), Uruçu-amarela (Melipona Rufiventris) e Jataí (Tetragonista angustula), lagartos Teiu (Salvator merianae) e Gralha-do-campo (Cyanocorax cristatellus). Na Baía de Guanabara, além de águas cristalinas, especialistas confirmaram o retorno de espécies como Tartaruga Verde (Chelonia mydas) que atualmente se encontra em perigo (EN) de extinção7, Suiriri (Tyrannus melancholicus) e Fragrata (Fregata magnificens), ambas classificadas como pouco preocupante (LC) pela The IUCN Red List f Threatened species, entre outras5;6;7. Em Pernambuco, a cidade de Paulista foi um grande berço de tartarugas marinhas no ano de 2020, sendo ao todo 291 novas tartaruguinhas que chegaram ao mundo. Desse total, 87 são Tartarugas-verdes e 204 Tartarugas-de-Pente (Eretmochelys imbricata) considerada criticamente ameaçada (CR) pela IUCN8. Todas essas aparições podem estar ocorrendo, principalmente, pela ausência de pessoas que tem como consequência a diminuição do barulho, melhoria da qualidade e outros fatores.

Abelhas avistadas no Pão de Açúcar, Rio de Janeiro. Foto: Roberta Pena
Desova de tartarugas em Paulista, Pernambuco. Foto: Prefeitura de Paulista-PE

Em Salvador, o período de isolamento social resultou na melhoria da qualidade da água em uma das praias mais famosas da cidade, a praia do Porto da Barra. Segundo um estudo realizado pela Faculdade de Biologia da Universidade Federal da Bahia, as análises de amostras de água em junho de 2020 em comparação com Dezembro de 2019 apontaram diminuição na acidez, que foi de 8.1 para 8.4. Na análise de coliformes, a média de colônia de bactérias que era de 206 caiu para 6, um grande queda em relação à ultima analise. De acordo com a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb), houve uma queda de 40% na quantidade de lixo sólido retirado das praias da capital baiana durante o mês de maio de 2020, em comparação com o último ano4. Se todos nós tivéssemos o mínimo de preocupação com o lixo que produzimos em lugares que não são oficialmente a nossa casa, isso poderia se tornar realidade em tempos “normais”. Ao redor do mundo, outras praias famosas como as de Acapulco no México, Barcelona na Espanha e Salinas no Equador também foram consideradas mais limpas e com águas cristalinas2.

Mesmo sendo uma fase difícil, triste e muito desafiadora, que tal uma pausa para respirar e, quem sabe, se apegar às coisas boas que têm acontecido nesse tempo? O isolamento social, além de ajudar na preservação da saúde humana, tem contribuído consideravelmente para a resiliência da natureza e é uma importante prova de que somos capazes de diminuir o impacto que a nossa existência e nossos hábitos causam ao planeta.

Referências

¹ OLIVEIRA, Eleilde de Sousa et al. Os impactos ambientais ocasionados pelo isolamento social em decorrência da COVID-19. 2021. Disponível em: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=4064. Acesso em: 19 mar. 2021.

² KRECL, Patricia; TARGINO, Admir Créso; OUKAWA, Gabriel Yoshikazu; CASSINO JUNIOR, Regis Pacheco. Drop in urban air pollution from COVID-19 pandemic: policy implications for the megacity of são paulo. Environmental Pollution, [S.L.], v. 265, p. 114883, out. 2020. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.envpol.2020.114883.

3 Durante isolamento social, qualidade de água em trecho de praia de Salvador muda de boa para excelente, aponta estudo. Tv Bahia, Globo. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/06/06/durante-isolamento-social-qualidade-de-agua-em-trecho-de-praia-de-salvador-muda-de-boa-para-excelente-aponta-estudo.ghtml. Acesso em 15 abril 2021.

4  DEISTER, Jaqueline. Águas claras e animais raros na Baía de Guanabara são efeitos da quarentena?. Brasil de Fato.  2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/05/11/aguas-claras-e-animais-raros-na-baia-de-guanabara-sao-efeitos-da-quarentena. Acesso em 15 de abril 2021.

5  CAETANO, Larissa. Animais silvestres são vistos em pontos turísticos do Rio depois de medidas de isolamento. Globo, Rio de Janeiro. 2020.Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/27/animais-silvestres-sao-vistos-em-pontos-turisticos-do-rio-depois-de-medidas-de-isolamento.ghtml. Acesso em 15 abril 2021.

6 SEMINOFF, J.A. (Southwest Fisheries Science Center, U.S.). 2004. Chelonia mydas. The IUCN Red List of Threatened Species 2004: e.T4615A11037468. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2004.RLTS.T4615A11037468.en. Downloaded on 07 June 2021.

7 MORTIMER, J.A & DONNELLY, M. (IUCN SSC Marine Turtle Specialist Group). 2008. Eretmochelys imbricata. The IUCN Red List of Threatened Species 2008: e.T8005A12881238. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2008.RLTS.T8005A12881238.en. Downloaded on 07 June 2021.

8 Com praias vazias, 97 tartarugas-de-pente nascem em Pernambuco. Uol Meio Ambiente. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2020/03/23/com-praias-vazias-97-tartarugas-de-pente-nascem-em-pernambuco-veja.htm/. Acesso em 29 maio 2021.

Isabella Oliveira

Graduada no curso de Bacharelado em Ciências Biológicas - Meio Ambiente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) através do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM), onde também é integrante a nível de mestrado do Programa Pós Graduação em Ciências Ambientais e Conservação. Tem experiência em biotecnologia e micropropagação de plantas e atualmente desenvolve pesquisa com o gênero Melocactus da família botânica Cactaceae no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.

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