Fé no empresário, que tudo ficará como está: um ensaio

Encontrei uma discussão interessantíssima no Twitter de um autor chamado Cauê Araújo (@caue_ce). Ele relata que foi convidado para apresentar uma palestra sobre empreendedorismo o que acabou revelando que ele é um excelente Coaching “desmotivacional”.

Os dados apresentados por ele são de 2017, do “Relatório Executivo: Empreendedorismo no Brasil”, do Global Entrepreneurship Monitor – Instituto brasileiro de qualidade e Produtividade – porém, segundo o próprio autor, os dados atuais são muito piores (https://ibqp.org.br/PDF%20GEM/Relat%c3%b3rio%20Executivo%20Empreendedorismo%20no%20Brasil%202019.pdf).

A partir dos dados é possível observar que o Brasil detinha, na época, cerca de 48 milhões de empresários, diferindo bastante dos 27 milhões de empresários dos EUA. No entanto, apesar do Brasil parecer um país de empreendedores, 70% dos empresários no Brasil faturam em média não mais do que 3 salários mínimos. Outros 50,2% ganham abaixo de mil reais por mês, cerca de 28, 8% recebem de 1 mil a 2 mil por mês e, somente 18,1% recebem mais que 2 mil reais por mês. A motivação inicial para se tornar empreendedores foi: oportunidade (57,4%) e necessidade (42,4%) (Fonte GEM, Ipeadata, IBGE).

Realmente, não falta “empresário” no Brasil. O problema é quando os próprios ou quem os criticam os colocam no mesmo balaio dos grandes empresários. Em suma, o microempreendedor compõe são um grupo gigantesco de autônomos que lutam para sobreviver, não pagam impostos ou, quando pagam, são responsáveis por grande parte da receita do país, pois não tem acesso a linhas de financiamento, perdões de dívidas, isenções e incentivos.

Isso nos permite chegar a três conclusões. A primeira é que microempreendedores são numerosos e arcam com uma parte representativa da arrecadação. Outra conclusão é que microempreendedores dificilmente conseguem subsídios do governo ao contrário das grandes empresas. A terceira conclusão é que microempreenedores são úteis na prestação de serviço para as grandes empresas, arcando com grande parte da maioria dos tributos trabalhistas diminuindo a folha de funcionários das grandes empresas.

O texto também lembra que é o Estado quem primeiro absorve e mitiga os riscos e incertezas que podem abalar o país, salvando bancos e garantindo que grandes empresas não saiam do país via isenção fiscal. No entanto os pequenos empresários, que cumprem todas as funções acima declaradas, são completamente esquecidos. Ao estado cabe também o papel de promover investimentos – sejam estas de natureza técnica ou econômica que afetam o país– e que só depois da mobilização do estado é que o setor privado tem coragem suficiente para agir na direção vislumbrada. Infelizmente o setor privado aqui é o 1% que realmente fatura. Nesse ponto o microempreendedor também cumpre uma função importante, de ressoar campanhas da mídia, a serviço das grandes empresas, para culpabilizar os políticos e o estado por seus infortúnios. Enfim, os microempreendedores empenham seu capital político local, extremamente ramificado, para atacar o próprio estado, que sempre atua no sentido de salvar as grandes empresas e manter o status quo, contra a ascensão das massas de trabalhadores.

Por fim, o autor citando o interessantíssimo caso da China, como exemplo de gestão do setor privado e público, em consonâncias com os interesses nacionais. Mesmo de forma contraditória eles são os que tem garantido um melhor ajustamento entre as demandas de tecnologia e infraestrutura para crescimento econômico e bem-estar social da população.

A discussão termina com dezenas de comentários super divertidos, destacando o comentário do @loboprofeta que explica como virar empreendedor no Brasil: (1) Procure emprego; (2) Não encontre por meses; (3) Veja as contas chegarem; (4) Se torne desalentado; (5) Tente se virar para fazer o dinheiro do mês e não morrer de fome e (6) Parabéns, agora você empreende!

Enfim, o quadro de destruição de leis que regem as relações trabalhistas (sendo essa última uma forma de compromisso entre patrões e empregados que regulam o bem estar dos prestadores de serviços) sugere que ainda estamos em franco processo de desenvolvimento do modelo atual de exploração da vida humana. Aqui cabe reportar uma constatação do economista Yanes Varoufakis, que apresenta o capitalismo como um sistema cíclico, que depende das crises e as gestam para acomodação de novos ciclos culturais e tecnológicos. Essas crises cíclicas de reacomodação acabam por ditar novas formas de relação social e ambiental, no entanto diante do quadro de rápidas crises e alteração social e ambiental, a necessidade de um estado forte é premente. Por mais que o liberalismo continue insistindo na diminuição do Estado, este cumpre uma premissa básica de tamponar os efeitos da crise, que é gestada, pelo próprio sistema, resgatando bancos, investindo em setores estratégicos e diminuindo tensões sociais.

Cabe aqui diferenciar governo e Estado. Os governos nem sempre estão alinhados com os diversos interesses representados na estrutura do Estado, que fundam e definem todos os aspectos da vida de uma sociedade: econômico, social e ideológico. Essa estrutura do estado, em sua operação e fluxos internos se reproduz por meio de um modelo funcional e estrutural, além de um sistema de crenças em que as pessoas depositam fé, seguindo padrões de funcionamento orgânico e sacrificando sua vida e liberdade. Assim os pobres das periferias entram na estrutura como mão de obra barata para que os ricos possam trabalhar e enriquecer pagando pouco por serviços. Pobres também ocupam a posição de criminosos do sistema (bodes expiatórios) para manutenção de estruturas de repressão enquanto as mulheres agem como produtoras de mão de obra, de massa viva humana, para sustentar o Estado. Enquanto isso, todos querem ser empresários, repetindo como caixa de ressonância o mantra que os colocam como “salvadores do sistema”, lutando para que o Estado seja sempre mínimo e reduza os impostos para atender cada vez mais os poucos empresários de verdade.

https://ibqp.org.br/PDF%20GEM/Relat%c3%b3rio%20Executivo%20Empreendedorismo%20no%20Brasil%202019.pdf

Rodrigo Lemes

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia (1999), mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2002) e doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). É professor do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 2009. Atua na área de Desenvolvimento Sócioambiental e Ecologia Evolutiva, com experiência em gestão de projetos de caráter interdisciplinar. É representante do NUPEM no Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (CONPARNA).

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