ENVIRONMENTAL HARM (Dano ambiental)
Albert Bandura
Tradução livre do texto Environmental Harm, de Albert Bandura, publicado em novembro de 2008 na revista Psychology Reviews
Disponível em: www.uky.edu/~eushe2/Bandura/Bandura2008EnvironmentalHarm.pdf
Tradução: mandalaciencia.org
Como consumidores, somos repetidamente bombardeados com mensagens que nos dizem para considerar o meio ambiente e economizar energia em face das mudanças climáticas globais. Como estudante de psicologia, na primeira das disciplinas que, espero que sejam muitas, reveladoras sobre o tema, você pode fazer o mesmo. Mas enfim, ‘O que isso realmente significa e como posso mudar meu próprio comportamento e o de minha família e amigos, para fazer uma real diferença para salvar este planeta?’
Seria impossível para mim dar respostas completas a essas questões cada vez mais importantes, mas o que eu quero fazer aqui é explicar mais das questões envolvidas, e encorajar você a refletir sobre o fato de que, enquanto você pode estar fazendo várias ações positivas em termos de economia de energia, por exemplo, você pode também estar aumentando o consumo de bens e serviços. Além disso, você pode estar justificando isso para si mesmo utilizando estratégias psicológicas que separam ou “desvinculam” seu pensamento moral de seu comportamento. Não use mecanismos de desengajamento moral – minimização por meio da difusão social – para coibir o uso do desengajamento moral autoexonerativo.
O objetivo deste artigo é torná-lo mais consciente dessas ações e encorajá-lo a se tornar “guardião moral” de seu meio ambiente, para que as gerações futuras se beneficiem de um mundo mais limpo, mais verde (menos cruel) e mais seguro. A psicologia tem um grande papel a desempenhar neste processo e não vale a pena imaginar o preço de não agir agora para uma mudança de comportamento. Não temos muito tempo e ainda, paradoxalmente, temos todas as escolhas e opções para mudança.
O que é dano ambiental?
Estamos testemunhando mudanças globais perigosas de consequências ecológicas crescentes. Isso inclui desmatamento, expansão de desertos, aquecimento global, derretimento de geleiras, inundações de regiões costeiras baixas, eventos climáticos severos, erosão do solo e afundamento do lençol freático nas principais regiões produtoras de alimentos. Além disso, os estoques de peixes estão se esgotando, há perda de biodiversidade e nossos sistemas de suporte à vida na Terra estão sendo degradados.
Nossos comportamentos humanos, como governantes da cadeia alimentar, estão destruindo espécies e ecossistemas que sustentam a vida em um ritmo cada vez mais acelerado. As tentativas de compensar esses efeitos globais nocivos com a introdução de tecnologias limpas e verdes, por exemplo, são mais do que compensadas por uma população mundial crescente de mais de 6 bilhões de pessoas, chegando a 9-10 bilhões em meados do século.
Como a psicologia pode ajudar?
Uma série de intervenções práticas sociais, econômicas e políticas foram postas em ação por países e seus governos em todo o mundo. No entanto, meu argumento é que, até que entendamos isso em um nível psicológico individual (nossos pensamentos, sentimentos e ações), nunca faremos incursões sérias para lidar com esse problema crescente. Como psicólogos, precisamos melhor entender e comunicar aos outros a forma como justificamos e racionalizamos nossos comportamentos, e como esses comportamentos afetam a saúde ecológica de nossos mundos individuais. Quando esses comportamentos são considerados em toda a raça humana, eles afetam todo o planeta.
O famoso ativista dos direitos civis, Martin Luther King, disse uma vez: “Seja a mudança que você deseja ver no mundo”. Precisamos ver a nós mesmos e saber quem realmente somos e o que estamos fazendo ao nosso planeta, antes que a própria natureza, em consequência de nossos comportamentos, atue de modo a ameaçar a nossa sobrevivência. O ‘desligamento’ ou ‘suspensão’ seletiva de nossa responsabilidade moral serve como barreira para ações ações coletivas na sociedade em geral. Essa condição nos leva a não reverter ou mesmo estabilizar a degradação ecológica que listei, apesar de nossas melhores intenções.
Causas de danos ambientais
De acordo com Ehrlich et al. (1995), a degradação ambiental de origem humana provém de três fontes principais:
- Tamanho populacional;
- Nível de consumo humano;
- Danos aos ecossistemas causados por tecnologias usadas para fornecer produtos de consumo e apoiar nossos estilos de vida.
Portanto, para uma abordagem abrangente para o desenvolvimento sustentável, nós precisamos considerar esses três fatores, incluindo mudanças em nossos estilos de vida e uma redução no crescimento populacional. A psicologia pode desempenhar importante um papel na condução dessas mudanças, pois está preocupada com o entendimento do comportamento e da experiência humana.
O papel do comportamento moral
Alguns de vocês podem ter lido minha teoria e pesquisa anterior sobre desenvolvimento moral em livros didáticos de psicologia (ao lado, sem dúvida, de teorias relacionadas ao desenvolvimento cognitivo). O que eu procuro fazer aqui é aplicar o que nós já sabemos e entendemos sobre a natureza da moral pensando em uma causa que é muito importante para ser ignorada e afeta todos nós.
No desenvolvimento do padrão moral, nós construímos normas de ‘certo’ e ’errado’ que servem como “facilitadores” ou “impedidores” de práticas prejudiciais. Nós fazemos coisas que nos dão satisfação e um senso de autoestima e tentamos nos abster dos comportamentos que, de alguma maneira, violam os nossos padrões morais, pois tal conduta irá trazer a autocondenação/culpa (um pouco como o papel do ‘superego’ na teoria psicodinâmica). Nossa conduta moral é regulada através de um processo contínuo de auto sanções avaliativas.
Além disso, nossas auto sanções podem ser seletivamente ‘desligadas’ ou desengajadas a partir de práticas prejudiciais, por diferentes razões, mesmo quando somos atenciosos e compassivos em outras áreas da nossa vida. Em casos extremos, indivíduos podem ser, ao mesmo tempo, impiedosos e humanos para os outros, dependendo de quem eles escolhem excluir da sua categoria particular de humanidade. Eles podem fazer isso em nome das chamadas doutrinas religiosas, políticas, sociais ou econômicas (Bandura 1999, Zimbardo 2007).
Quando se trata de práticas relacionadas ao meio ambiente, as recompensas imediatas de estilos de vida destrutivos podem facilmente passar por cima de efeitos adversos, especialmente se eles são lentamente cumulativos (Wenk, 1979). Nós podemos ver isso nos sistemas de incentivo de organizações empresariais que podem ser fortemente orientadas em direção a práticas que trazem lucro a curto prazo em vez de benefícios de longo prazo.
Da mesma forma, a política pode fazer lobby para projetos locais que podem não ser ambientalmente amigáveis e a mídia tende a focar na crise do dia ao invés de em iniciativas políticas de longo prazo que evitem futuros problemas. Em um nível individual, nós podemos perseguir atividades que servem aos nossos interesses, mas que violam nossos padrões morais – infligindo danos humanos e ambientais, por exemplo. A fim de aliviar tensões internas que isso possa causar, escolhemos separar nossas auto-sanções morais de práticas sociais prejudiciais nos tornando efetivamente ‘livres’ da autocensura moral. As estratégias que usamos para gerar tais ‘práticas de desengajamento’ em diferentes estágios do processo são variados e complexos, e eu ilustrei alguns desses na Figura 1.
Três desses mecanismos operam no chamado locus de comportamento. Aqui nós podemos transformar práticas que são prejudiciais em valiosas, por exemplo, justificação moral, comparação vantajosas (social exonerativa) e rotulação eufemística (como uma linguagem higienizadora – a chuva ácida que mata lagos e florestas é disfarçada como ‘deposições de partículas em trânsito de fontes não identificáveis’). Esse é o conjunto mais eficaz de práticas de desengajamento, uma vez que elimina a autocensura e ao mesmo tempo aumenta a autoaprovação.
Em dois dos mecanismos operantes no locus de agência (da ação), os indivíduos são absolvidos da sua responsabilidade pessoal por práticas prejudiciais pela difusão e deslocamento da responsabilidade (o ditado ‘pensar globalmente, agir localmente’ é um esforço para restaurar a responsabilidade pessoal pelos danos ambientais causados coletivamente). No locus de resultado, os efeitos prejudiciais das práticas são desconsiderados, minimizados ou contestados, assim, não há nada para se sentir mal sobre isso.
Finalmente, nos dois mecanismos restantes operando no locus receptor, as ‘vítimas’ que suportam o impacto da piora das condições ecológicas são marginalizadas, despersonalizadas e culpadas por sua situação. Até mesmo os porta-vozes, defensores das questões ambientais e de sustentabilidade ecológica, também são depreciados e desacreditados. O Príncipe Charles, por exemplo, teve uma receptividade dúbia à expressão de suas opiniões sobre tal assunto. Esses mecanismos normalmente operam conjuntamente e interativamente, ao invés de isoladamente, tanto a nível individual quanto nos sistemas sociais. Portanto, nós precisamos entender os comportamentos individuais e as normas, valores e expectativas da sociedade para compreender plenamente como o processo desengajamento moral funciona na prática.
Embora saibamos que um grupo funciona por meio do comportamento de seus membros, desengajamento moral coletivo não é simplesmente o total das crenças morais dos membros individuais. Em vez disso, é um fenômeno emergente de um grupo, decorrente da dinâmica interativa existente, tanto dentro quanto entre os sistemas sociais. O todo (nesse caso, práticas ambientais prejudiciais) é mais do que a soma de suas partes (os indivíduos que justificam e legitimam seus comportamentos prejudiciais).
O papel da agência moral
O exercício da agência moral é parte da teoria social cognitiva mais ampla (Bandura 2006). Tomando uma visão transacional de si mesmo e da sociedade, o funcionamento psicossocial é o produto da interação dinâmica entre (1) influências intrapessoais na forma de determinantes cognitivos, afetivos e biológicos, (2) as práticas comportamentais que nos engajamos e (3) as influências ambientais. A agência moral opera dentro de uma ampla rede de ‘influências sócio-estruturais’, isto é, sistemas sociais que são planejados para organizar, guiar e regular os comportamentos humanos. Essas regras e práticas não são separadas das atividades humanas, mas, ao invés disso, são o produto delas. Por sua vez, elas influenciam o desenvolvimento e funcionamento humano de uma forma dinâmica e mutuamente interativa.
Podemos observar um exemplo de forma mais vívida. Nos Estados Unidos, os produtos da indústria do tabaco supostamente tiram as vidas de mais de 400.000 pessoas por ano. Uma rede de pessoas atenciosas, incluindo agricultores, executivos da indústria do tabaco, pesquisadores biotécnicos, artistas de cinema, cientistas e anunciantes financiados legitimam e justificam suas práticas sociais repressivas por um processo de desengajamento moral em que se veem como vítimas e defensores dos direitos humanos, lutando contra aqueles que desejam impedir as pessoas de gozar dos prazeres de fumar. Eles são capazes de difundir suas agências trabalhando em, e por meio das, subdivisões da complexa teia da indústria do tabaco, enxergando-se como profissionais decentes e legítimos no processo.
Justificação social e moral
Ao contrário dos outros mecanismos de desengajamento moral, que servem principalmente para libertar práticas nocivas de consequências morais, justificativas sociais e morais servem a uma dupla função:
- Em primeiro lugar, santificar práticas nocivas como um propósito digno, permitindo que as pessoas preservem seu senso de autoestima ao mesmo tempo em que se envolvem em atividades nocivas.
- Em segundo lugar, a crença nessa autoestima protege contra a censura de comportamentos nocivos e engaja a autoaprovação por meio de um reconhecimento social e até mesmo recompensas econômicas ao ser bem sucedido.
Podemos, portanto, justificar nossas ações tanto por motivos sociais quanto morais, livres da autocensura que tais comportamentos normalmente trariam. Este é um exemplo dos meios que justificam os fins, pois legitimamos e justificamos ainda mais nossas ações nocivas.
Algumas dessas justificativas sociais e morais visam dissipar a preocupação, frequentemente acusando o problema do crescimento populacional. Como mostrado na Figura 2, o crescimento populacional está subindo globalmente. No entanto, novas análises mostram que as nações desenvolvidas estão estabilizando suas populações, mas as em desenvolvimento onde a maior parte do crescimento está ocorrendo estão rapidamente dobrando suas populações e muitas as quadruplicaram desde 1950.
As secas produzidas pelas mudanças climáticas (provocadas pelos países desenvolvidos*) têm alimentado lutas por água escassa e terras aráveis na África altamente povoada. Sob essas pressões, esse ambiente frágil está se tornando cada vez mais inabitável para milhões de pessoas. Massas de refugiados deslocados vivem em campos esquálidos lutando pelas necessidades da vida. Esta é apenas uma pequena prévia das coisas por vir. Mesmo com a população atual, milhões de pessoas vivem em barracos em megacidades. Eles estão lutando para sobreviver com escassez de alimentos, água doce, saneamento básico, serviços médicos e outras necessidades da vida. Quase metade da população terrestre vive em pobreza extrema com menos de 2 US$ por dia (Madrick, 2003). O inchaço das populações está criando uma crise humanitária.
Rumo a uma solução
Se Charles Darwin estivesse escrevendo uma atualização de seu livro, Sobre a Origem das Espécies, hoje ele estaria documentando a esmagadora dominação humana sobre meio ambiente, mas não da maneira que ele poderia ter previsto. Muitas das espécies em nosso planeta, em degradação, não têm futuro evolutivo. Por meio de suas ações, os seres humanos estão exterminando outras espécies e os ecossistemas que suportam a vida em um ritmo acelerado, de uma forma profundamente diferente das antigas extinções em massa por desastres meteóricos, pragas e inundações.
Estamos agora testemunhando a crescente primazia da ação humana no processo coevolucionário que, certo ou errado, interferiu no lento processo de evolução natural. A expansão das economias alimenta o crescimento do poder de consumo de bilhões de pessoas, o que está intensificando ainda mais a concorrência pelos recursos naturais da Terra e esmagando os esforços para garantir um futuro ambiental e economicamente sustentável. Práticas coletivas focadas em ganhos de curto prazo, em vez de soluções de longo prazo, estão tornando nossos problemas ainda piores.
Podemos reverter esse processo começando pelo reengajamento (não desengajamento) com nossa bússola moral. Isso envolveria o doloroso, mas possível, processo de enfrentar todas as consequências de nossas ações em vez de as negar, distorcer ou explicá-las longe de nossa autoproteção, como descrito acima. Ao remover nosso “eu” do centro das coisas e considerar o quadro global, podemos começar a remover barreiras que dificultam a mudança de comportamento. Podemos, então, trabalhar para desenvolver práticas ecologicamente sustentáveis que sejam boas para nós e nosso planeta.
A psicologia tem um papel crucial a desempenhar, iluminando nossas próprias motivações e incentivos falhos, nos permitindo adotar um caminho sustentável. Se quisermos ser guardiões responsáveis pelo nosso meio ambiente para as futuras gerações, devemos dificultar o desengajamento moral de práticas ecologicamente destrutivas. Não é tarde demais.
Referências Bibliográficas
Bandura, A. (2007) Impeding ecological sustainability through selective moral disengagement, International Journal of Innovation and Sustainable Development, Vol. 2. pp. 8-35.
Bandura, A. (2006) Toward a psychology of human agency, Perspectives on Psychological Science, Vol. 1, pp. 164-80
Bandura, A. (1999) Moral disengagement in the perpetration of inhumanities, Personality and Social Psychology Review, Vol. 3, PP. 193-209
Ehrlich, P. R., Ehrlich, A. H. and Daily, G. C.people’s (1995) The Stork and the Plow: The Equity Answer to the Human Dilemma, Putnam.
Madrick, J. (2003) Grim facts on global poverty, New York Times, 7 August 2007.
Wenk Jr, E (1979) Political limits in steering technology: pathologies of the short run, Technology in Sociery, Vol. 1, PP. 27-36.
Zimbardo, P. (2007) The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil, Random House.
O professor Albert Bandura é Professor David Starr Jordan de Ciências Sociais na Universidade de Stanford. Ele é um proponente da teoria sócio-cognitiva, que está baseada em uma perspectiva da agência. Seu livro de referência, Social Foundations of Thought and Action: A Social Cognitive Theory fornece o marco conceitual para essa teoria. Seu recente livro, Self Efficacy: The Exercise of Control, apresenta a crença das pessoas em sua eficácia pessoal e coletiva como os fundamentos da agência humana.
*inserção do tradutor