A contracepção na Antiguidade

(Fonte: Eagles and Dragons Publising/Reprodução)

Você já parou para pensar na extensa e diversa história da humanidade e quantas formas distintas de avaliar o fenômeno da vida humana? Se não, vai aqui uma novidade: nem sempre e nem em todos os lugares a gravidez foi interpretada com o grau de sacralidade que a civilização cristã ocidental determina. Sim, os métodos de controle de natalidade não surgiram recentemente. Na antiguidade, já havia diversas maneiras de evitar a gravidez. Quando o ser humano passou a entender que sexo e maternidade eram relacionadas, passaram a impedir a concepção, e, dessa maneira, o sexo se tornou uma atividade mais relacionado ao prazer (Souza, 2003) e as tentativas de evitar a gravidez eram realizadas das maneiras mais surreais possíveis. Mesmo na civilização cristã ocidental a gravidez na antiguidade adquiriu tons funestos, quase sinônimo de morte, devido à medicina obstétrica, naquela época, ser primitiva. A desnutrição e doenças tornavam tudo ainda mais complicado, ocasionando altas taxas de aborto e diversas outras complicações nas gestantes. Neste sentido, qualquer método, que desse a possibilidade de não engravidar, era válido.

Em sociedades localizadas no Mediterrâneo, por exemplo, as mulheres se casavam na faixa etária de 15 e 22 anos. Contudo, também eram comuns o casamento de meninas aos 12 anos de idade. Os médicos da antiguidade possuíam consciência do alto risco de mortalidade em jovens gestantes, e, por esse motivo, orientavam as famílias para que não casassem suas filhas precocemente (King, 2022), apesar do papel social que impelia os pais a formalizar a união dos filhos. O médico grego Hipócrates, uma das figuras mais emblemáticas da história da medicina, era especialista no uso de plantas medicinais. Em uma de suas pesquisas, descobriu que a semente de cenoura selvagem, era um ótimo contraceptivo.

Na mesma época, o filósofo grego Aristóteles descobriu que a erva medicinal Mentha Pulegium poderia também ser uma boa opção para evitar a gravidez. A primeira receita médica contraceptiva foi encontrada em um papiro egípcio, denominado Papiro de Petri. Sua datação é de 1850 A.E.C. (Antes da Era Comum), sendo prescrito o uso de uma mistura de mel e bicarbonato de sódio, inseridos na vagina para evitar a passagem do esperma (Souza, 2003). As mulheres do Mediterrâneo também utilizavam cones vaginais como contraceptivo. Esses cones eram feitos de materiais como lã, linho ou papiro e eram embebidos em substâncias espermicidas ou antissépticas. Às vezes, utilizavam esses tampões vaginais até mesmo com fezes de crocodilo, algo que era extremamente perigoso para a saúde.

Os homens não ficavam para trás em relação ao controle de natalidade. Por mais que muitas sociedades antigas considerassem que a mulher era a grande responsável pela contracepção, existem muitas evidências de métodos contraceptivos masculinos. No século I, foi descoberta a relação entre o sêmen e a gravidez e a partir desse momento, os estudiosos da época começaram a desenvolver métodos contraceptivos para os homens. O coito interruptus é um dos métodos mais antigos a ser utilizado. Ele envolve a retirada do pênis da vagina antes que ocorra a ejaculação, desse modo, evitando a fertilização. É possível encontrar o método coito interruptus em antigos textos romanos, gregos, judaicos e islâmicos. Esse método é utilizado até os dias de hoje, porém, não é muito eficaz.

Assim como as mulheres, os homens também utilizavam as ervas medicinais para controle de natalidade. O médico e cirurgião grego Dioscórides, que ficou muito famoso no século V, sugeriu a homens que queriam prevenir uma gravidez, utilizassem extratos de uma planta variante da madressilva (planta de origem asiática), durante 36 dias, pois ela provocava a esterilidade masculina. Não se sabe a idade exata da criação do preservativo, a popular “camisinha”, contudo, existem evidências de que os chineses a utilizavam há mais de 3.000 anos. Os primeiros protótipos eram feitos de materiais como seda, papel e intestino de animais (Souza, 2003).

Os contraceptivos feitos de ervas medicinais foram introduzidos no século II, na região do Mediterrâneo, e causou muito rebuliço na sociedade daquela época. Apesar de possuírem inúmeras formas de evitar a gravidez, muitas mulheres na antiguidade optavam por abortos. Como elas utilizavam diversos métodos, isso dificultava saber qual era o método realmente eficaz (King, 2022). Muitos estudiosos acreditam que elas escolhiam abortar os bebês, por ser uma prova mais concreta de que aquela criança não interferiria em sua vida.

Por fim, cabe destacar que na longa linhagem de eruditos homens da sociedade patriarcal, iniciando com os povos e tradições gregas e judaicas que deram origem a nossa cultura ocidental cristã, houve diferentes momentos favoráveis ao controle de natalidade e outros contrários. O historiador grego Políbio descreveu em um dos seus textos a preocupação da sociedade em relação à redução do número de filhos. Outros autores também deixaram suas opiniões sobre o assunto e alguns sugeriram que a melhor forma de controlar a natalidade seria obrigar que as pessoas somente se casassem após a maioridade. Autores como Platão e Aristóteles incentivavam o aborto. 

Platão em sua obra “A República” estipulou que a idade ideal para o casamento seria de 20 a 30 anos para mulheres e de 30 a 55 anos para os homens e sugeria que o aborto compulsório deveria ser realizado para cada mulher que engravidasse após os 40 anos. Já Aristóteles exigia que existisse uma quantidade limitada de partos, que deveria ser determinada por lei e, caso uma mulher ultrapassasse o número de filhos permitidos por lei, os bebês deveriam ser eliminados por meio de abortos (Balbinot, 2003). 

O aborto como única forma de contraceptivo, nas sociedades Romana e Judaica, era considerado crime grave. As pessoas que praticavam eram punidas com severidade, tanto a mulher quanto o médico ou curandeiro que realizava o procedimento. Na Grécia, o aborto só poderia ser realizado em mulheres casadas com a autorização do marido, pois o ato poderia privar o marido de ter um herdeiro. Em Roma, o aborto só era permitido em casos de risco de vida para a mãe (King, 2022).

O controle de natalidade foi algo um pouco controverso na antiguidade e esteve sempre envolto em questões relacionadas à disponibilidade de mão de obra, força de trabalho e soldados para as batalhas. Assim foi por vezes considerada imoral em algumas sociedades e culturas. Em paralelo e com poucos registros na tradição escrita, as mulheres sempre tentaram tomar conta de seus próprios corpos e destino, mantendo em segredo os métodos contraceptivos transmitidos às gerações seguintes por tradição oral. Na vida privada os homens e as famílias também exerceram certo controle fazendo com que muitas pessoas que gostariam de prevenir a gravidez mantivessem os métodos contraceptivos de forma velada para evitar julgamentos. A verdade é que a maternidade e a paternidade é uma experiência importante que altera o jogo da existência, vida e morte, sendo um tema central da história humana.

E você, o que acha deste assunto?

 Referências:

BALBINOT, Rachelle Amália Agostini. O aborto: perspectivas e abordagens diferenciadas. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, v. 24, n. 46, p. 93-120, 2003.

BUJALKOVA, Maria. Controle de natalidade na antiguidade. Bratislavské Lekárske Listy , v. 108, nº 3, pág. 163, 2007. 

Ênio Padilha. Disponível em:

https://www.eniopadilha.com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf Acessado em: 28 de Janeiro de 2024.

FLECK, Eliane Cristina Deckmann. “Esto es lo que yo buscaba […] el conocimiento de las yerbas, y su aplicación”: sistematização e difusão dos conhecimentos sobre virtudes de plantas medicinais (América meridional, séculos XVII e XVIII). Anos 90, v. 19, nº 35, p. 419-444, 2012.

HADDAD-FILHO. SPDM. 2015.  Pequenas Histórias do Anticoncepcionais. Disponível em:

https://spdm.org.br/blogs/reproducao-humana/pequena-historia-dos-anticoncepcionais Acessado em:  28 de Janeiro de 2024.

KING, Arienne; GAMES, Mohawk. Planejamento Familiar na Antiguidade Greco-Romana. Disponível em: https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2024/planejamento-familiar-na-antiguidade-greco-romana/ Acessado em:  28 de Janeiro de 2024.

Larissa Gonçalves

Larissa Gonçalves é graduanda em Ciências Biológicas (Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM) em Macaé. Integrante do Projeto de Extensão Produção e Recepção de Mídias na Formação de Professores. Possui interesse nas áreas que englobam as Ciências Forenses, Arqueologia e Educação Inclusiva voltada para alunos Neurodivergentes.

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