Os efeitos da Nostalgia: vivendo o passado

Fonte: FreePik

Imagine uma manhã de um sábado qualquer. Você tem uns sete ou oito anos, e deitado(a) no sofá, ao ligar a televisão, experimenta assistir do seu programa favorito. Um desenho animado surge na tela do televisor e está tocando a música de abertura que você já decorou. A sensação de felicidade é tão real que um sorriso surge aos poucos e permanece estampado em seu rosto. Logo então, você se dá conta que está lendo esse texto, e nada disso é verdadeiro, apenas pensamentos de um momento passado. Apesar disso, ao parar por um segundo, você pode se perguntar: por que essa sensação é tão boa?

O cenário descrito acima pode ou não ter te marcado, porque a nostalgia é uma sensação subjetiva. Pode ser que, aos sábados nesta idade, você já estava passando por “maus bocados”, ou até mesmo ter uma televisão não era algo possível. A nostalgia dá-se por diferentes elementos baseados nos sentidos e sensações que você obteve de alguma interação em um período passado, sejam eles visuais, sonoros e dentre outros. Tratam-se de lembranças, positivas ou negativas que marcaram momentos no passado, baseados no seu ponto de vista (RIBEIRO et al 2023). A nostalgia se revela através da saudade de outras pessoas e suas conexões, de uma comida, de um lugar favorito, de uma música, de um filme e dentre vários outros.

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Além disso, ainda que essas ideias pareçam descrever algo irreal e difícil de ser explicado, sem se remeter a uma mera saudade, a palavra nostalgia tem origem na medicina. “A palavra foi forjada pelo ambicioso erudito suíço Johanes Hofer em sua tese de medicina de 1688 […]” (BOYM, 2017 p. 153), e, no início, a nostalgia era tratada como uma doença incurável e diagnosticada por uma “emoção histórica”, que afetava principalmente soldados e outras pessoas que trabalhavam no exterior nos momentos de guerra e sentiam essa “saudade de casa”. Essa ideia de a nostalgia ser uma doença séria fazia com que os médicos da época utilizassem drogas psicoativas como formas de tratamento.

Agora, as definições presentes nos dicionários remetem à nostalgia a um sentimento bom, que denota também a um momento mais pacato, sem os enormes conflitos que ocorreram no mundo durante guerras. Como aponta Castellano; Meimaridis (2017, p. 63 apud MARQUES, 2020), o conceito de nostalgia toma um outro rumo:

“[…] uma mudança na própria percepção sobre o termo, que deixa de se referir a um sentimento ‘negativo’ , que guardava estreita ligação com a guerra, e passa conotar a algo potencialmente bom, ligado à rememoração ou recuperação de um passado mais ou menos distante.”

(CASTELLANO; MEIMARIDIS 2017, p. 63)

A reconstrução do mundo pós segunda guerra mundial, por exemplo, foi lenta, porém, alguns países reergueram-se e mostraram um progresso notável em vários âmbitos da sociedade. Hoje, ao comparar com décadas passadas, pessoas de gerações anteriores têm a sensação de que o mundo era menos complicado. Boym (2017) argumenta que mesmo que cada pessoa tenha essa visão nostálgica subjetiva, muitas nações experimentam uma nostalgia coletiva, que se caracteriza pelo anseio de tempos que já foram melhores, ou seja, simplesmente memórias coletivas de uma posição um pouco melhor que a do presente.

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Não obstante, a nostalgia ainda pode trazer uma sensação de abdicar da novidade da modernidade e lembrar das tradições culturais ou rememorar a forma como era feita no passado. Notavelmente, algumas questões comuns no dia a dia podem ser vistas como nostálgicas. Podemos assim, refletir como o uso de tecnologia nos afeta cotidianamente nas tarefas mais simples. A título de exemplificação, algumas pessoas podem ter lembranças nostálgicas de escutar suas músicas nos discos de vinil, outras na fita cassete, ou no rádio a disco (CD), no MP3, nos telefones celulares da década 2000, dentre outras variações de dispositivos.

Hoje em dia, basta poucos cliques em um aplicativo na tela de seu smartphone, que uma ampla quantidade de músicas de seu tempo favorito pode ser reproduzida ou baixada para escutar depois. Mas, talvez pela sensação dessas inúmeras possibilidades e a facilidade de ter tudo na palma da mão, sentimos que as músicas que marcaram época trazem significados diferentes de quando ouvimos pela primeira vez. É evidente que a música tocada nos dispositivos antigos revela lembranças do passado distante. Talvez seja por causa dessa emoção que esses dispositivos ainda tenham um valor sentimental para muitos, originando também a cultura de colecionar, tão difundida nos dias de hoje (objetos nostálgicos que lembram do passado).

De forma semelhante, outras situações corriqueiras nos trazem sensações notáveis. Desta forma, além da música, podemos pensar em filmes, livros, eventos sociais e outros, como elementos geradores de momentos nostálgicos. De outra perspectiva, os filmes e livros históricos geram no espectador/leitor a sensação de estar presente naquele momento que é descrito, podendo transparecer emoções próximas das que foram vivenciadas na época. Talitha Ferraz (2017, apud MARQUES, 2020) comenta como as salas de cinemas permanecem cheias e que os espectadores valorizam essa cultura vintage e nostálgica das obras cinematográficas, endereçando às produtoras a ânsia por filmes que relembrem o passado, que imageticamente acolham esse público.

Conforme os elementos descritos anteriormente, podemos nos perguntar: sentir nostalgia é bom ou ruim? Dosando bem esses momentos de nostalgia, podemos até nos beneficiarmos com um aumento da qualidade de saúde mental e os processos de socialização. Porém, por vezes, podemos nos deparar com estados que indicam algum distúrbio psicológico. Diante dessa busca incessante por eventos nostálgicos, as pessoas estão deixando de viver o presente, elevando uma necessidade de lembrar de épocas passadas. Esses casos constantes podem servir de alerta, uma vez que a nostalgia pode causar estados de solidão e vazio emocional, motivando em outros problemas psicológicos (PSICOLOGIA-ONLINE, 2022).

Contudo, lembrar de quem éramos, pode gerar uma motivação relevante, que pode servir como uma engrenagem para construção de um “eu” futuro, que prioriza sobretudo melhorar, aprendendo com os erros e acertos passados. Segundo os autores do site Psicologia-Online (2022), um bom começo para aqueles que têm uma sensação inversa da descrita, seria o início de uma conversa sobre o que te causa nostalgia. No entanto, em alguns casos, a ajuda profissional (médica ou psicológica) é indispensável. Logo, para você que anda vivendo o passado, saiba que é “[…] normal sentir saudade de momentos e pessoas que foram significativos em sua vida” (PSICÓLOGOS PAULISTA, 2023), mas é essencial buscar um equilíbrio saudável nesses sentimentos.

Fonte: FreePik

Referências:

BOYM, Svetlana. Mal-estar na nostalgia. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, v. 10, nº 23, 2017.

MARQUES, João Gabriel Xavier. Assistir a filmes: observações acerca da mesma experiência sob dinâmicas distintas. In: MUSSE, Christina Ferraz; MEDEIROS, Theresa; HENRIQUES, Rosali. Nostalgias e memórias nos tempos das mídias [recurso eletrônico]. 1 ed. Florianópolis, SC: Editora Insular – Editora UFJF, 2020. E-book (PDF, 6 Mb). ISBN 978-65-88401-35-4. p. 290-309. 

PSICOLOGIA ONLINE. O que é nostalgia na psicologia. Disponível em: https://br.psicologia-online.com/o-que-e-nostalgia-na-psicologia-1038.html. Acesso em: 30 mar. 2024.

PSICÓLOGOS PAULISTA. Nostalgia: quando ela se torna um problema? Disponível em: https://www.psicologospaulista.com.br/blog/nostalgia-quando-se-torna-um-problema/. Acesso em: 30 mar. 2024.

RIBEIRO, Maria Gabriela Costa et al. O EFEITO DA NOSTALGIA NO ÂMBITO PSICOLÓGICO. Sociedade em Debate, v. 5, n. 1, 2023.

Fabricio Heleno de Souza Franco

Fabricio Heleno de Souza Franco é estudante de Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM). Ele é um membro ativo do Projeto de Extensão "Produção e Recepção de Mídias na Formação de Professores" e possui um profundo interesse nas áreas de evolução, ecologia e genética. Atualmente, próximo de sua conclusão de curso, ele busca se envolver em questões relacionadas à educação.

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