Um crime e suas consequências ambientais

Na última semana de 2019 milhões de banhistas que procuraram a costa da região Norte fluminense para festejar o fim do ano foram surpreendidos com uma grande quantidade de material vegetal que entrelaçava os banhistas e gerava um incômodo abraço de afogado durante os banhos de mar. Era o abraço de afogado do meio ambiente.

O resultado dessa ação é mais um fruto do desmantelamento das condições de trabalho das Unidades de Conservação. Combalida pela falta de estrutura o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba ainda foi tratado como algoz das férias dos turistas. O Parque da Restinga de Jurubatiba abriga dezoito lagoas, algumas delas tem pequenas bacias de drenagem que enveredam continente adentro. Essas pequenas bacias de drenagem não têm área de captação suficiente para se tornar um rio caudaloso que rompe a força das barras de areia depositadas pelas aguas do mar. Dessa forma esses corpos hídricos formam as lagoas costeiras, que garantem o lazer em agua doce das famílias da região Norte-Fluminense.

No entanto, essas pequenas áreas de drenagem receberam no final desse ano um aporte muito grande de chuvas, o que somado a ausência de vegetação nas áreas de drenagem, fruto do desmatamento na região, ocasionou uma chegada de um grande volume de água nas barras das lagoas. O aumento das aguas na região da barra acionou a fúria de alguns moradores e pescadores do balneário de Carapebus, os primeiros afetados por inundações em seus terrenos vizinhos ao Parque e os segundos interessados em sangrar a lagoa para o mar e assim garantir a entrada de alevinos e larvas que tendem a se desenvolver em deltas. Uma vez que esses organismos entram na lagoa e a barra de areia é refeita pela ação do mar, está criada as condições para que os mesmos cresçam em situação confinada, o que garante uma estação de fartura na captura e pesca de peixes.

Assim é criado o quadro de confluência dos interesses de poucos pescadores e dos moradores do balneário em condições de alagamento cada vez mais recorrente, diante do quadro de desmatamento da bacia de drenagem. Por outro lado temos os gestores do Parque, que tentaram conter a sanha desse grupo, uma vez que os muitos estudos desenvolvidos na região já comprovaram que abertura recorrente das lagoas somado ao aporte de matéria orgânica dos moradores do entorno foi a causa da morte de várias lagoas da região.

 Infelizmente na véspera desse natal enquanto a Gestão do Parque tentava administrar a abertura de uma das barras, seguindo um protocolo desenvolvido após anos de pesquisa científica, a barra de outra lagoa, a lagoa do Paulista, foi aberta simultaneamente à lagoa de Carapebus. O resultado foi a drenagem das aguas da lagoa Feia, a segunda maior lagoa do Brasil, pelo canal Campos Macaé despejando um volume de agua doce tão grande que a vegetação aquática, protegida pelo Parque, foi arrastada. A lagoa do Paulista, sobre a qual não temos informações anteriores sobre sua última abertura, estava agora literalmente despejando o Parque no mar. Capivaras, cobras, anfíbios raros e endêmicos e toneladas de peixes e crustáceos foram perdidos, morreram ou se salvaram combalidos em praias da região.

Como desgraça pouca é bobagem, as chuvas e ressacas continuaram intensas no período e mantiveram o Parque sangrando até as vésperas do ano novo. A lagoa Feia estava em sua carga máxima e com as comportas que drenam suas aguas pelo canal das flechas abertas. Estava feito o desastre do lançamento da rica vida biológica do Parque diretamente no mar, o que só não foi maior graças a ação rápida dos gestores da unidade, que fecharam o canal Campos-Macaé.

O impacto foi tamanho que o volume de agua e o material biológico lançado no mar, considerando o canal das flechas, lagoas do Paulista e Carapebus, interromperam as correntes marinhas, que normalmente conduzem este tipo de material lançado para as praias de Macaé e Rio das Ostras. Dessa vez o material biológico (plantas e animais) foram lançados além do arquipélago de Santana e foram parar nas praias de toda região norte-fluminense.

Tinha esgoto? Provavelmente não! Tinha vida, rica e abundante.

Este evento de grande proporção e que afetou o turismo a dezenas quilômetros de distância é um exemplo do que vai acontecer num cenário de mudanças climáticas globais que preveem chuvas mais raras porém intensas. Somente investimentos em estudos científicos de longa duração e em programas de educação ambiental envolvendo a população do entorno das lagoas podem ajudar a minimizar as consequências de anos de mal conservação e descaso com o meio ambiente  O tempo dirá…ou já disse!!!

Assinam este texto:

Rodrigo Lemes Martins

Rodrigo Nunes da Fonseca

Rodrigo Lemes

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia (1999), mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2002) e doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). É professor do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (NUPEM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 2009. Atua na área de Desenvolvimento Sócioambiental e Ecologia Evolutiva, com experiência em gestão de projetos de caráter interdisciplinar. É representante do NUPEM no Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (CONPARNA).

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