Se é remédio, que mal pode fazer?

Amanda Berbert Rodrigues de Barros e Bárbara Rodrigues 

Certamente você já sentiu uma dor de cabeça e pediu remédio a um amigo, ou foi diretamente à farmácia e comprou um medicamento que viu na TV, ou ainda ouviu da sua avó que tomar um chá resolveria o seu mal estar… afinal, se é remédio, mal não deve fazer. Mas será que essas atitudes são corretas? Diante de tantas opções e informações sobre doenças, remédios e receitas milagrosas que rolam por aí, a automedicação é cada vez mais comum em nosso país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2018, 79% dos brasileiros acima dos 16 anos admitiram que utilizam medicamentos sem prescrição (link). Isso revela um número grande de pessoas que se automedicam no país. 

É importante buscar o profissional de saúde para identificar cada caso e assim a melhor forma de resolvê-lo. Dessa forma é dado o diagnóstico certo e assim o paciente será instruído a tomar o remédio certo, na dose certa e tempo certo, o que caracteriza o uso racional de medicamentos. Um dos perigos de se automedicar sem passar pelo profissional, é justamente usar o tratamento errado ou sem comprovação científica e assim não ter efeitos ou ter efeitos indesejados, tal como encher seu organismo com uma química desnecessária (link). A questão da automedicação também se torna um problema quando o objetivo é prevenir doenças. Então, a prevenção não pode ser feita? Da forma correta, sim! Vem que a gente te explica! 

Já ouviu falar em profilaxia? Essa palavrinha difícil nada mais é do que um conjunto de medidas usadas para a preservação da saúde, portanto, é muito mais do que apenas a prevenção de doenças. Exercícios físicos, hábitos de higiene pessoal, do ambiente e alimentação saudável são também medidas profiláticas (link). 

No caso de doenças infecciosas, as medidas profiláticas consistem em vários métodos que servem para impedir ou inibir a contaminação da população por infecções. Essas medidas podem ser várias, como saneamento básico, refrigeração de alimentos e utilização de medicamentos (link). Podemos citar alguns exemplos como profilaxia dentária, profilaxia da dengue, vacinas, entre outros. 

Além da higiene bucal diária, a profilaxia dentária é a limpeza dos dentes que deve ser feita por um profissional dentista pelo menos uma vez ao ano. Isso ajuda a combater inflamações, mau hálito, formação de tártaro e por aí vai! (link) Já a profilaxia da dengue consiste em evitar o acúmulo de água parada para impedir a proliferação do mosquito Aedes Aegypti

E as vacinas? Aquelas que tomamos desde crianças são consideradas o método mais eficaz de profilaxia. Justamente por isso há um controle e incentivos para que a população mantenha sua carteira de vacinação em dia. A vacina consiste em substâncias que ao serem introduzidas em nós, geram uma reação do nosso sistema imunológico. Esse sistema é uma barreira natural do nosso organismo composta por milhões de células, que funciona como uma defesa contra doenças. As vacinas então estimulam a produção de anticorpos, que nada mais são do que proteínas com a função de defender nosso corpo contra agentes invasores. Ela

pode ser feita com uma forma inativada ou atenuada do agente agressor (bactéria, vírus, etc), ou com uma pequena parte desse agente (proteína ou material genético). Essas vacinas passam por diversas etapas para o seu desenvolvimento que as tornam seguras, pois sua produção exige um grande conhecimento técnico e um minucioso controle de qualidade (link 1 e link 2). 

E quando o profissional de saúde recomenda um medicamento sem a devida comprovação? Na era da COVID-19 e de tantas incertezas, observa-se uma grande confusão de informações. O coronavírus apresentou-se de uma forma catastrófica, deixando muitas dúvidas e uma corrida contra o tempo para tentar curar as pessoas doentes. 

Com o mundo desesperado por uma solução, o protocolo para lidar com o coronavírus no Brasil baseou-se em informações estrangeiras, que foram defendidas por profissionais, porém muitas sem estudos comprovados na época. Essas informações foram adquiridas rapidamente e sem tempo de testagem, baseadas em estudos in vitro e análises precipitadas da literatura. Essa disseminação acabou criando uma situação perigosa dentro de um contexto aterrorizante de pandemia, quando ninguém sabia ao certo como destruir esse vírus. A Azitromicina, Hidroxicloroquina e Ivermectina foram os nomes mais conhecidos propagados como a salvação para a COVID-19, mesmo sem comprovação. Ao longo dos meses de 2020, alguns médicos passaram a recomendar o uso de tais remédios, baseados principalmente no discurso governamental (link) , como foi visto por exemplo na plataforma criada pelo Ministério da Saúde e retirada do ar logo em seguida. Nessa página desse ministério foi orientado aos médicos a indicação desses remédios e dosagens a pacientes suspeitos. Desse modo, a responsabilidade era passada para eles ao recomendarem ou não. 

Explicaremos um pouco sobre esses medicamentos para que você possa compreender, sem fake news ou informações disseminadas incorretamente. O nosso objetivo aqui é justamente levar esse conhecimento de forma clara para você, querido leitor. Vamos lá? 

Visto que é causado por um vírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que o uso de antibióticos não é eficaz para o tratamento da Covid-19, pois esses medicamentos são exclusivamente para infecções por bactérias. O uso desnecessário de Azitromicina pode gerar inúmeros problemas, como resistência de bactérias em um futuro próximo (link). Essas superbactérias acabam sendo um desafio para a comunidade científica e principalmente para as pessoas acometidas por doenças que possivelmente serão muito mais difíceis de tratar. Esse é o caso das bactérias que causam infecções do trato respiratório, como sinusite e amigdalite, assim como algumas doenças sexualmente transmissíveis (link). 

A hidroxicloroquina, usada no tratamento da malária, lúpus e artrite reumatóide, foi propagandeada para tratamento contra o Covid-19 principalmente nos Estados Unidos e no Brasil. Essa indicação foi feita após a publicação de um estudo realizado pelo médico francês Didier Raoult, em março de 2020. Esse estudo envolvia 36 pacientes e afirmava que o remédio era capaz de diminuir a carga de coronavírus no organismo, tendo benefícios aumentados se a azitromicina fosse administrada em conjunto. Após essa publicação vários cientistas a analisaram e criticaram, pois a mesma estava com inúmeros erros metodológicos e informações sem explicação. Isso gerou uma denúncia pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF) por “promoção indevida de medicamento”. Em janeiro de 2021 o médico assumiu erros em sua pesquisa após a revista retirá-la do ar. Porém, até toda a análise ser feita, o uso do medicamento já estava sendo propagado tanto para tratamento quanto para prevenção do coronavírus. De acordo com a pneumologista brasileira Letícia Kawano-Dourado, que faz parte do painel da Organização Mundial da Saúde (OMS), hoje se sabe que existem evidências suficientes comprovando a ineficácia da hidroxicloroquina em qualquer situação ligada ao coronavírus, sendo o uso desnecessário desses remédios preocupante devido às reações adversas e sua toxicidade. Em um dos estudos mais importantes, chamado Recovery Trial, que analisou mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum (link). 

A Ivermectina é um antiparasitário que ficou popular após uma publicação feita por pesquisadores da Universidade Monash e do Hospital Royal Melbourne, na Austrália (link) , que mostrou efeito desse medicamento no vírus in vitro. Só para você saber, um estudo in vitro é um ensaio feito fora do corpo humano, ou animal, e envolve células, tecidos ou órgãos isolados, dentro de um laboratório. Mas nem sempre o que se descobre em um estudo in vitro pode ser aplicado diretamente a organismos humanos, pois o corpo humano é muito complexo e diverso do que em apenas uma célula (por exemplo, o corpo humano tem em média 10 trilhões células de vários tipos e com diversas funções). Por isso, os próprios cientistas pediram cautela no uso do medicamento, pois ainda seriam necessários testes clínicos para avaliar sua eficácia. Eles afirmam no estudo que os dados não poderiam ser conclusivos visto que existem outros fatores que podem influenciar a atuação do remédio. A popularidade desse remédio aumentou nas redes sociais após uma fala do médico Pierre Kory, feita no Senado dos Estados Unidos (EUA) afirmando que um grupo de profissionais teria feito uma revisão na literatura científica e descoberto a “cura milagrosa” (link). Segundo esse médico, a Ivermectina poderia proporcionar essa tal “cura milagrosa” se usada preventivamente. O vídeo com a fala desse médico chegou a 100 mil visualizações e precisou ser desmentido pela Agência Reguladora de Medicamentos dos Estados Unidos (FDA). Há também uma problemática envolvendo a dosagem. De acordo com o Professor Luiz Carlos Dias (link) , seria preciso uma dose 17 vezes maior do que a permitida por dia para um ser humano, para obter o efeito terapêutico. Segundo o Professor Mauro Schechter (infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro), o uso prolongado de Ivermectina e fora das indicações presentes na bula, pode ser extremamente perigoso, pois se trata de um medicamento neurotóxico, ou seja, que pode causar danos no cérebro e nervos. 

Esses remédios são contra-indicados por entidades como a OMS – Organização Mundial de Saúde, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa e a Sociedade Brasileira de Infectologia – SBI, que desaprova a possibilidade de tratamento precoce, assim como ratifica que esses remédios podem apresentar risco aos pacientes. O Conselho Federal de Farmácia assumiu no dia 28 de Janeiro de 2021 que não há nenhum tratamento comprovado para prevenção da Covid-19, assim como declaram que o uso racional de medicamentos deve ser promovido pelos profissionais de saúde, como obrigação ética e legal. 

A profilaxia para o coronavírus é muito mais simples do que ingerir medicamentos que alguém falou nas redes sociais… basta usar máscara, lavar as mãos com frequência e utilizar álcool 70%, cobrir a boca e nariz ao espirrar e tossir, manter distância mínima de 1 metro entre pessoas, evitar aglomerações, higienizar sempre o celular e outros objetos utilizados com frequência… e aguardar a sua vez na fila de vacinação, pois ela é a principal medida profilática capaz de controlar essa pandemia. Desta forma você estará se prevenindo e também permitindo que o vírus circule muito menos. 

Américo Pastor

Professor Adjunto do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou estágio pós-doutoral em Ensino de Saúde (EEAAC-UFF) e Cognição Social (UCP). Possui doutorado e mestrado em Educação em Ciências e Saúde pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES-UFRJ), bacharelado em Psicologia pela Universidade Católica de Petrópolis e bacharelado em Desenho Industrial (Design - Programação Visual) (UFRJ). Desenvolve pesquisas sobre aprendizagens mediadas por tecnologias, linguagens e audiovisuais nos espaços formais e não formais de educação em ciências e saúde.

Um comentário em “Se é remédio, que mal pode fazer?

  • 10 de setembro de 2021 em 18:51
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    Excelente trabalho. Muitas vezes a falta de informação pode influenciar nas decisões que tomamos no dia a dia. E as decisões mais importantes são a respeito da nossa saúde, então eu agradeço a vocês pelas informações e torço para que elas consigam chegar a muitas pessoas e ajuda-las a seguir o melhor caminho quando o assunto é saúde. Parabéns pelo trabalho.

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