Quem são os donos da ‘boiada’ que estão deixando passar.

Não é novidade para ninguém que o atual governo trabalha pela destruição da biodiversidade brasileira. O presidente da república, que já foi multado por pescar ilegalmente em uma estação ecológica protegida por lei ¹, escolheu como ministro do meio ambiente um homem acusado de fraude no processo de plano de manejo de uma Área de Proteção Ambiental (APP) com objetivo de beneficiar empresas ².

Esse mesmo ministro não tardou a abrir caminho para ‘passar a boiada’ e, assim, o Brasil bateu recorde de desmatamento nos últimos dois anos. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)³, a área de floresta derrubada ilegalmente na Amazônia entre 2019 e 2020 soma mais de 20 mil Km². Esse valor equivale a 14 vezes o território da cidade de São Paulo.

E o que pensa o atual governo sobre a destruição da floresta? A culpa é dos pobres! Foi o que disse o Ministro da Economia em seu discurso no Fórum Econômico Mundial em 2020. Segundo o ministro, “o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza. As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer“. A fala do ministro, além de elitista, é mentirosa. Por isso, precisamos falar sobre os responsáveis. Quem são os maiores desmatadores do território brasileiro?

DANDO NOME AOS BOIS

Em levantamento inédito, o observatório De olho nos Ruralistas analisou informações sobre as multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), na categoria flora, entre os anos de 1995 e 2019. O levantamento avaliou 284.235 multas com dados coletados na base de dados fornecida pelo próprio Ibama. Os multados são pessoas físicas e empresas que desmataram ou que se beneficiaram diretamente do desmatamento, comprando madeira ilegal, por exemplo. Aqui vou destacar alguns nomes dessa lista, os infratores que receberam multas em mais de 1 milhão de reais, mas você mesmo pode acessar o Mapa De Olho nos Desmatadores ⁴ para informações mais detalhadas. 

Um dos aspectos que chama atenção é que entre os 25 primeiros colocados, 24 foram multados mais de uma vez 5. Como é o caso da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar)6, a campeã de reincidência. A empresa foi multada em 16 dos 25 anos considerados na análise, por comprar carvão vegetal oriundo de desmatamento. As multas somam R$ 156,9 milhões. Outra empresa reincidente no desmatamento é a Agropecuária Santa Bárbara, que ocupa o segundo lugar da lista. Foram 30 multas que somam R$ 323 milhões de reais. Entre os administradores da empresa estão a irmã e o cunhado do banqueiro Daniel Dantas. 

Se levarmos em conta apenas pessoas físicas, o nome de Antônio José Junqueira Vilela Filho merece destaque. O pecuarista, conhecido como AJ Vilela, é o maior desmatador da Amazônia já documentado. Suas multas somam R$ 332 milhões de reais. AJ Vilela é acusado de liderar uma quadrilha de grilagem de terras públicas que desmatou e se apropriou de um território de 300 km². Além do desmatamento e grilagem, AJ Vilela também já foi acusado de homicídio e exploração de trabalho escravo 7

DESMATAR COMPENSA

Avaliando o que foi apresentado até aqui, você pode pensar que alguma justiça está sendo feita, afinal, os desmatadores foram flagrados, identificados e multados. E foram, mas na maioria das vezes não passou disso. Apenas uma em cada três multas emitidas pelo Ibama são pagas 8

Quando alguém é multado, o processo é julgado pelos servidores administrativos do Ibama e as multas prescrevem após cinco anos no domínio administrativo. O Ibama conta com poucos servidores dessa área, o que faz com que o processo de julgamento e avaliação dos recursos fique lento. Além disso, os desmatadores podem recorrer à decisão não só nas instâncias administrativas do Ibama, mas também em instâncias da justiça comum. Esses fatores contribuem com a impunidade, pois os infratores optam por não pagar e recorrer até que as multas prescrevam.

Para piorar a situação, um decreto 9 do presidente da república suspendeu as multas por desmatamento ilegal desde outubro de 2019, como foi denunciado pela Human Rights Watch 10. O decreto determina que as multas que já foram aplicadas sejam reexaminadas em audiências de conciliação. Na prática, essas audiências acabam garantindo a impunidade pois atrasam ainda mais o processo. 

Como vimos, os verdadeiros responsáveis pelo roubo de terras e destruição de florestas por todo o Brasil estão longe de serem pobres famintos. São pessoas que possuem o objetivo claro de roubar, explorar e lucrar o máximo possível, para depois passar férias em Miami ou Dubai.

Referências:

1 https://www.oeco.org.br/noticias/ibama-exonera-fiscal-que-multou-bolsonaro-por-pesca-em-area-protegida/

2 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/12/17/tj-de-sp-forma-maioria-pela-absolvicao-do-ministro-ricardo-salles-acao-por-improbidade-e-suspensa-pela-3a-vez.ghtml

3 http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/amazon/increments

4 https://deolhonosruralistas.com.br/2020/02/02/mapa-mostra-por-municipio-os-maiores-multados-por-desmatamento-nos-ultimos-25-anos/

5 https://deolhonosruralistas.com.br/2020/02/06/entre-os-25-maiores-multados-pelo-ibama-por-desmatamento-desde-1995-24-sao-reincidentes/

6 https://deolhonosruralistas.com.br/2020/02/08/maior-reincidente-em-multas-do-ibama-por-desmatamento-foi-beneficiada-pelo-bndes/

7 https://theintercept.com/2017/03/22/a-saga-da-famiglia-vilela-os-maiores-pecuaristas-e-destruidores-de-florestas-do-brasil/

8 https://www.aosfatos.org/noticias/por-que-o-ibama-arrecada-so-5-das-multas-ambientais-que-aplica/

9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Decreto/D9760.htm

10 https://www.hrw.org/pt/news/2020/05/20/375120

Maria Laura Borgo

Maria Laura Borgo é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2019), no NUPEM (Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade) e mestranda em Ciências Ambientais e Conservação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2020) com Projeto intulado "Tolerância Térmica da Fotossíntese em Macroalgas da Região Norte Fluminense". Tem experiência e interesse nas áreas de ecologia e botânica, com ênfase em ecofisiologia vegetal.

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