PANC: quando o conhecimento popular é a melhor fonte de nutrientes
Você certamente conhece uma planta que pode ser comida mas que você não encontra no mercadinho para comprar. Elas são mais comuns do que vocês imaginam, estão por toda a parte, crescem espontaneamente, pelas calçadas e quintais, ou em meio a plantas cultivadas. Muitas vezes coexistem com nossas culturas tradicionais, mas são consideradas plantas “daninhas” ou “mato”, crescendo e concorrendo em espaços de plantas de interesse comercial. O nome dado a essas plantas é: Planta Alimentícia Não Convencional (PANC), termo consolidado pelo pesquisador Valdely Ferreira Kinupp em sua tese¹ de doutorado em fitotecnia pela UFRGS, em 2007. Segundo ele, PANCs são espécies de plantas alimentícias pouco comuns, que costumam ser conhecidas apenas regionalmente e não fazem parte do cardápio no dia a dia da maioria da população.
Como Kinupp e Lorenzi citam em seu livro² sobre PANCs, existem mais de 3 mil plantas comestíveis catalogadas na literatura, entretanto, 90% do alimento mundial vem de apenas 20 espécies. Esse dado nos mostra que a base da alimentação mundial é bastante pobre, e que a maior parte da diversidade de plantas alimentícias existentes é ignorada pela chamada “Agricultura Moderna”. Esse tipo de agricultura (“moderna”) ganhou espaço nos anos 60, com a Revolução Verde, e se baseia no emprego de práticas e tecnologias que resultaram em um aumento expressivo da produção de alimentos e na padronização da agricultura ao redor do globo.
Apesar do aumento na quantidade de alimentos produzidos, o pacote de inovações implementados durante a Revolução Verde resultou também em uma redução do número de espécies cultivadas, se limitando àquelas que foram selecionadas para se ajustarem ao desenvolvimento de processos mecanizados. Isso representa uma ameaça às demais plantas alimentícias existentes no planeta, e consequentemente uma ameaça à biodiversidade. Para exemplificar essa ameaça, podemos observar o cenário de fruticultura no Brasil: dentre as cinco espécies frutíferas mais produzidas em 2018, apenas uma é nativa (Levantamento Sistemático da Produção Agrícola – IBGE).
Por não possuírem apelo comercial, as PANCs não fazem parte da cadeia de produção agrícola tradicional. Apesar disso, existem PANCs cuja utilização é tão expressiva em algumas regiões, que as espécies chegam a ser consideradas hortaliças convencionais, como é o caso da Ora-pro-nobis (Pereskia aculeata Mill.) em Minas Gerais e da Taioba (Xanthosoma sagittifolium Schott.) no Rio de Janeiro.
SAÚDE NO PRATO
As PANCs se apresentam como uma rica e diversa fonte nutricional, fornecendo quantidades significativas de vitaminas, fibras, carboidratos, sais minerais e proteínas, diferentes das consumidas massivamente por nossa sociedade. Esse é o caso da já citada Pereskia aculeata Mill., popularmente conhecida como ora-pro-nobis; planta nativa que possui teor de proteínas tão elevado³ que recebe o apelido de “carne de pobre” ou “carne vegetal”, além de grande quantidade de vitamina C.
Outra PANC conhecida por seu conteúdo nutricional é a Portulaca oleracea L., popularmente chamada de beldroega ou onze-horas. Essa planta possui grande quantidade de ômega 3, nutriente presente em poucos alimentos convencionais, fornecendo também potássio, magnésio, cálcio e vitaminas A, B e C 4,5. Esses são só alguns exemplos de como estas plantas podem ser benéficas no que diz respeito à nutrição e consequentemente à saúde humana.
RESGATE CULTURAL
As PANCs são também chamadas de “hortaliças tradicionais”, pois são utilizadas como alimento por povos originários e quilombolas. Entre estes, o conhecimento sobre cultivo e consumo dessas plantas é passado de geração em geração e a utilização delas faz parte da expressão cultural dessas populações.
Dessa forma o consumo de PANCs na culinária do dia a dia se mostra como um ato de resistência. Significa resgatar e preservar o patrimônio cultural do povo brasileiro, fortalecendo o conhecimento popular em detrimento da produção quase industrial da agricultura moderna, que reduziu a oferta de plantas alimentícias encontradas nos mercados e hortifrútis e nos obrigou a reduzir e simplificar nossa alimentação.
COMO INTRODUZIR PANCs NA SUA ALIMENTAÇÃO
Cultive! As PANCs em sua grande maioria são facilmente cultiváveis. Elas são chamadas de plantas “rústicas”, pois se adaptam aos mais variados tipos de solo e não exigem grandes quantidades de água ou nutrientes para o crescimento. O espaço também não é um fator limitante, pois a maior parte dessas espécies podem ser cultivas até mesmo em vasos.
Você pode adquirir mudas e sementes com agricultores familiares, em feiras ou coletando diretamente de calçadas e quintais. Mas atenção, não é seguro consumir plantas coletadas diretamente da rua, pois podem estar contaminadas por urina ou fezes de animais. Utilize-as como muda para produção de novas unidades.
A diversidade de plantas que nos rodeiam é enorme, e para evitar sabores indesejados ou o risco de intoxicação, precisamos ter certeza de que conhecemos as plantas que iremos consumir. Para saber mais sobre a diversidade de PANCs, como identificá-las, cultivá-las e introduzi-las no seu cardápio, deixamos aqui algumas sugestões de materiais:
Vídeo: “Hortaliças tradicionais – Dia de Campo na TV”
Reportagem sobre PANCs e o trabalho da Embrapa Hortaliças com essas plantas.
Livro: “Manual de Produção de Hortaliças Tradicionais”
Livro publicado em 2013, pela Embrapa Hortaliças, desenvolvido pelo projeto “Hortaliças Tradicionais: Alternativa para Agricultura Familiar”, coordenado pelo pesquisador Nuno Madeira. O livro traz informações detalhadas sobre o cultivo e utilização de PANCs, com foco na possibilidade de produção local e familiar devido a rusticidade, baixa dependência de insumos e reduzidos custos de produção dessas plantas.
Cartilha: “Hortaliças Não-Convencionais (Tradicionais)”
Publicada em 2013, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo. Aborda informações gerais sobre as PANCs e como utilizá-las através de algumas receitas.
E-book: “PANCs – A Arte da Alimentação Saudável”
Livro de receitas utilizando PANCs. O material foi desenvolvido em 2019, como produto final da primeira disciplina ministrada no Brasil dedicada exclusivamente ao estudo das plantas alimentícias não convencionais. A disciplina é ministrada e coordenada pelo Prof. Dr. Gilberto Dolejal Zanetti, na Universidade Federal do Rio de Janeiro – Campus Macaé.
Cartilha: “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) – Hortaliças Espontâneas e Nativas”
Cartilha elaborada em 2015, pelo grupo Viveiros Comunitários do Instituto de Biociências da UFRGS. O objetivo é divulgar a importância das PANCs, além de facilitar o seu reconhecimento. A cartilha conta também com algumas receitas utilizando PANCs.
Cartilha: “Guia Prático de PANC – Plantas Alimentícias Não Convencionais”
Cartilha elaborada pelo Instituto Kairós, em 2017, traz informações sobre as espécies mais adequadas para o cultivo na agricultura urbana e nas hortas escolares.
E-book: “Receitas da Horta da FMUSP”
Livro de receitas produzido pelos voluntários da horta da Faculdade de Medicina da USP.
Cartilha: “Hortaliças Não Convencionais”
Cartilha produzida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), contém informações gerais sobre diversas espécies de PANCs, além de receitas e informações sobre o cultivo dessas hortaliças.
Folders: “PANC – Hortaliças Não Convencionais”
Iformações sobre identificação, plantio, conservação, usos e receitas produzida pela Embrapa Hortaliças.
Referências
¹ KINUPP, V.F. Plantas alimentícias não convencionais da região metropolitana de Porto Alegre, RS. Porto Alegre, 2007. 562 p. Tese – (Doutorado em Fitotecnia). Disponível em:<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870>. Acesso em 23 Jun. 2020.
² KINUPP, V. F. LORENZI. H. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. São Paulo, SP, Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2014.
³ DE ALMEIDA, Martha Elisa Ferreira et al. Caracterização química das hortaliças não-convencionais conhecidas como ora-pro-nobis. Bioscience Journal, v. 30, n. 3, 2014.
⁴ UDDIN, M. K., et al (2014). Purslane Weed (Portulaca oleracea): A Prospective Plant Source of Nutrition, Omega-3 Fatty Acid, and Antioxidant Attributes. The Scientific World Journal, 2014, 1–6. doi:10.1155/2014/951019
5 SIMOPOULOS, Artemis P. et al. Common purslane: a source of omega-3 fatty acids and antioxidants. Journal of the American College of Nutrition, v. 11, n. 4, p. 374-382, 1992.
Muito claro e informativo! Certamente muita gente interessada em uma alimentação saudável e de qualidade vai se interessar pelas PANC’s! Parabéns Maria Laura pelo excelente texto!
Pra mim foi uma surpresa.parabens Maria Laura Borgo. Deus abençoe vc.
Muitos materiais de qualidade, com certeza temos muito o que aprender e resgatar. As hortas comunitárias são as casas perfeitas para as PANCs né??
Exatamente! São muito boas para o cultivo urbano <3